domingo, 28 de dezembro de 2014

2014: solidariedade e reencontro

final do ano é um momento propício para balanços, análises e retrospectivas. olhar o que passou - aproveitando o respiro que o recesso entre o natal e o ano novo permitem - e tentar dar uma reorganizada na vida para o futuro.

olhar para 2014 é ver a vida acelerar. a política acirrar. os processos se intensificarem. as reflexões se aprofundarem. estamos em um novo patamar - para as relações humanas e para a política em nosso país (coisa que, para o espanto dos conservadores, anda junta).

de todas as palavras humanas que conheço da língua brasileira, solidariedade e reencontro são as palavras que sintetizam o ano de dois mil e catorze para mim.

a solidariedade que existe em aprender a dividir as tarefas, em passar a bola para os mais jovens tocarem e ir percebendo que é a juventude que tem a criatividade e a ousadia para fazer as coisas de um jeito melhor mesmo do que a gente. ver a juventude mais jovem (com a mulherada mandando ver!) assumindo a direção dos processos e nem precisar de você (eu, no caso, que sou a juventude menos jovem) é das coisas mais bonitas que tem.

a solidariedade da construção coletiva, que implica na confiança no outro, em aprender a cumprir o papel que for necessário, fazendo a própria parte. de ir vendo que é mesmo melhor errar junto do que acertar sozinha... mas também de que é importante acreditar no que se acredita e fazer o esforço de tentar convencer os outros para sermos ousados, sempre! é se (re)encontrar no coletivo de maneira forte, bonita e potente. é encontrar no coletivo espaço para nosso próprio processo de construção de identidade.

a solidariedade que podemos construir compartilhando nossas experiências. 2014 foi o ano em que voltei a escrever - e inventei esse blog - e que descobri que somos parecidas de maneiras que não imaginava. mas também que somos diferentes e que nos magoamos e nos desentendemos sem perceber e que conversar, trocar... e escrever! podem ajudar a gente a sobreviver melhor.

a solidariedade de entender que o povo é quem precisa tomar as rédeas da política desse país e mergulhar fundo no trabalho de base, de politização e de diálogo. não se colocar no lugar de porta-voz dos outros mas fazer o esforço de criar processos coletivos para decisão. de criar sínteses ousadas. de buscar palavras de ordem que organizem nossa revolta. é o reencontro da política com a vida, da vida com a política. de muita gente que não entendia que pode fazer política querendo participar. gente querendo opinar, querendo tomar partido (mesmo em um momento em que os partidos já não fazem mais tanto sentido).

a solidariedade de não ter medo de se posicionar mesmo sabendo que isso significa se meter em disputas que não são belas, não são puras e em que é necessário defender coisas que não são as coisas nas quais você acredita. é solidariedade entender que a vida do povo é mais importante do que desejos revolucionários e que quem não se posiciona está abrindo mão de disputar os rumos da história.

o reencontro entre aqueles que estavam distantes. que estavam fazendo seu trabalho, seu projeto, sua arte, seus rolês... e que perceberam que quem tá vivo tem que participar da política, e que só se participa da política em coletivo. de todas as coisas que me surpreenderam em 2014, a que mais me tocou foi reencontrar gente que estava distante há muito tempo. e encontrar gente de outros mundos, de outros rolês, que olha a política hoje e quer entender, quer participar, não quer mais ficar a margem.

o ano em que completei 50% da vida como militante por opção (porque militante-acompanhante sou desde a barriga). dos meus 26 anos de idade, os últimos 13 passei "sendo militante", ou seja, dedicando boa parte da vida para a transformação do país e das nossas vidas. é uma escolha de vida, porque sei que pra mim não existe felicidade fora da busca pela felicidade coletiva. desconheço prazer no "me dar bem" individualmente, mas cada vez mais aprofundo o prazer do "é nóis por nóis", da construção coletiva das vidas, das experiências e do futuro. cada vez mais certeza nessa escolha de vida, foi o que 2014 me deu.

e foi nesse ano que fui reencontrando muita gente. gente da família ou amiga da família que (re)encontrei nos espaços da política. gente que estudou comigo, que conheci no bairro, na rua, nos rolês e que (re)encontrei nos espaços da política. gente que nunca se interessou pela política mas que agora quer fazer algo. gente de outras épocas, que foi por caminhos diferentes dos meus para lugares diferentes dos meus, mas que chega no final de 2014 com uma certeza muito próxima da minha: do jeito que tá as coisas não permanecerão por muito tempo e é necessário se articular e se posicionar.

e teve muita gente que (re)encontrei e que não conhecia antes. gente que já ganhou espaço no meu coração. gente com quem dividi casa, trabalho, comida, arte, criação, festa, alegria, cama, bagunça, tarefa... à todas essas pessoas (e saibam sempre que eu sou pior em demonstrar o carinho pessoalmente do que em senti-lo, e isso significa que provavelmente eu gosto de você mais do que você imagina) minha mais profunda gratidão. conhecer e compartilhar a vida com gente tão linda (apesar dos desencontros no meio desses encontros) é fundamental para dar conta de seguir adiante.

2015 ainda não chegou, mas já dá um frio na barriga. se 2014 foi um ano de muito trabalho, de muita luta, de muita manifestação, de muita criatividade para fazer política com ousadia e alegria... 2015 vai ser mais. estabilidade não combina com o que está por vir. o mundo está em ebulição. o brasil está em ebulição. tem gente inventando jeito novo de fazer política, de fazer partido, de fazer democracia. gente misturando o mundo digital e o mundo analógico e criando umas coisas bonitas e outras tantas terríveis. gente fazendo arte com política e sambando na cara do conservadorismo. tem gente ousando colorir e enegrecer a esquerda e a vida. a coisa tá que tá!


tem muita gente que se assusta com isso e tem medo do que está por vir. ora bolas, a direita reacionária está mostrando os dentinhos sim. mas nós também estamos. o povo está se organizando e indo pra ofensiva. as contradições estão aumentando. ninguém se conforma em manter a vida como está. então as coisas vão ter que mudar. e nesses momentos de mudança todas as forças políticas querem colocar o bloco na rua para tentar influenciar os rumos do país que estamos construindo. e eu não tenho dúvidas: as lutas populares constroem cotidianamente um brasil mais justo, mais igual e mais feliz.


se vamos ou não ganhar essa luta, essa batalha e essa guerra, eu não leio futuro e não sei. mas tenho certeza que do trabalho e da luta eu e muita gente por aí não vai fugir... porque não vamos fugir da responsabilidade que é participar ativamente da vida política do país e tentar construir um futuro de mais vida, felicidade e alegria para os que virão. o futuro será de mudança e isso me anima: porque vejo o (re)encontro e a solidariedade produzidos, construídos e distribuídos em 2014 e tenho certeza que tem muita gente dando o sangue, trabalhando pesado e com muita disposição para enfrentar os desafios que virão.

2015, seja bem vindo. pode chegar quente que eu tô fervendo!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

escrever

começo a escrever com a força de um vômito que quer sair e que não consegue e de repente explode. a imagem é feia e eu sei que é porque sei também que é feia a ausência de tempo para escrever, para estar sozinha, para conseguir estar sozinha e ter tempo e energia e vontade e coragem de escrever. é tão difícil quanto enfrentar o vômito e entender que às vezes mesmo sendo ruim e ficando o gosto amargo na boca é melhor isso do que aquela sensação permanente de passar mal, de comida estragada no sistema digestivo.

escrevo assim sim porque faz quase um mês que eu não escrevo e isso me consome e me mata por dentro. porque não escrever para mim é quase como não existir. é não conseguir entender o que acontece comigo, é não dizer para os outros o que eu penso. e o sentimento fica ali represado, acumulando, dentro de mim. porque foram - os últimos 30 dias - dias tão intensos, de tanta correria, de tanto trabalho e tanta tarefa que eu nem lembrava mais meu nome, não sabia mais quem eu era.

isso embrutece. quando a gente esquece da gente mesma e trabalha tanto que não tem tempo nem de dormir nem de comer direito nem de respirar com calma nem de transar nem de paquerar nem de ver amigos nem de se divertir nem de escrever. e aí a gente se perde e se some.

mas olha que eu não estou reclamando do meu trabalho não. sou muito feliz por trabalhar construindo coisas nas quais eu acredito. mas falta a medida. falta saber colocar limite. porque a gente não pode se perder no trabalho. porque quando a gente se perde, a gente perde a capacidade de encontrar o outro. e eu sei que tenho essa mania. essa relação de dependente químico com o trabalho. de me enterrar no trabalho para fugir de todo o resto. para não ter que lidar comigo mesma.

e pior. sei que nesse processo, na ausência de mim, também é ausência de carinho e de cuidado com os processos e as pessoas. é um processo em que tudo é tão importante e tão urgente que a gente perde a mão. que a gente é bruta sem querer. que a gente entra num parafuso.

não sei exatamente porque escrevo sobre isso, dessa maneira destrambelhada, confusa, sensacionalista e de peito aberto assim de coração aberto assim como um livro aberto sem esconder nada. mas essencialmente o que eu preciso escrever, e deixar bem claro e bem explícito e bem forte pra mim é que ou eu arranjo tempo para mim, ou eu não consigo existir. ou eu priorizo cuidado e carinho para as pessoas de quem eu gosto ou eu não vou conseguir construir relações com substância.

talvez esse texto seja apenas para dizer: escreva, lira, escreva. arrume tempo para escrever. (e aí também arrume tempo para dormir, para descansar, para comer sem pressa, para ler, para ouvir um som). mas escreva, e não pare de escrever porque só assim você consegue respirar, consegue sobreviver, consegue ser uma pessoa mais humana. não se adapte à correria da cidade de são paulo que desumaniza tanto as pessoas. consiga tempo. furte tempo se for necessário. mas escreva. porque escrever é preciso para não se afogar de si mesma.