domingo, 28 de dezembro de 2014

2014: solidariedade e reencontro

final do ano é um momento propício para balanços, análises e retrospectivas. olhar o que passou - aproveitando o respiro que o recesso entre o natal e o ano novo permitem - e tentar dar uma reorganizada na vida para o futuro.

olhar para 2014 é ver a vida acelerar. a política acirrar. os processos se intensificarem. as reflexões se aprofundarem. estamos em um novo patamar - para as relações humanas e para a política em nosso país (coisa que, para o espanto dos conservadores, anda junta).

de todas as palavras humanas que conheço da língua brasileira, solidariedade e reencontro são as palavras que sintetizam o ano de dois mil e catorze para mim.

a solidariedade que existe em aprender a dividir as tarefas, em passar a bola para os mais jovens tocarem e ir percebendo que é a juventude que tem a criatividade e a ousadia para fazer as coisas de um jeito melhor mesmo do que a gente. ver a juventude mais jovem (com a mulherada mandando ver!) assumindo a direção dos processos e nem precisar de você (eu, no caso, que sou a juventude menos jovem) é das coisas mais bonitas que tem.

a solidariedade da construção coletiva, que implica na confiança no outro, em aprender a cumprir o papel que for necessário, fazendo a própria parte. de ir vendo que é mesmo melhor errar junto do que acertar sozinha... mas também de que é importante acreditar no que se acredita e fazer o esforço de tentar convencer os outros para sermos ousados, sempre! é se (re)encontrar no coletivo de maneira forte, bonita e potente. é encontrar no coletivo espaço para nosso próprio processo de construção de identidade.

a solidariedade que podemos construir compartilhando nossas experiências. 2014 foi o ano em que voltei a escrever - e inventei esse blog - e que descobri que somos parecidas de maneiras que não imaginava. mas também que somos diferentes e que nos magoamos e nos desentendemos sem perceber e que conversar, trocar... e escrever! podem ajudar a gente a sobreviver melhor.

a solidariedade de entender que o povo é quem precisa tomar as rédeas da política desse país e mergulhar fundo no trabalho de base, de politização e de diálogo. não se colocar no lugar de porta-voz dos outros mas fazer o esforço de criar processos coletivos para decisão. de criar sínteses ousadas. de buscar palavras de ordem que organizem nossa revolta. é o reencontro da política com a vida, da vida com a política. de muita gente que não entendia que pode fazer política querendo participar. gente querendo opinar, querendo tomar partido (mesmo em um momento em que os partidos já não fazem mais tanto sentido).

a solidariedade de não ter medo de se posicionar mesmo sabendo que isso significa se meter em disputas que não são belas, não são puras e em que é necessário defender coisas que não são as coisas nas quais você acredita. é solidariedade entender que a vida do povo é mais importante do que desejos revolucionários e que quem não se posiciona está abrindo mão de disputar os rumos da história.

o reencontro entre aqueles que estavam distantes. que estavam fazendo seu trabalho, seu projeto, sua arte, seus rolês... e que perceberam que quem tá vivo tem que participar da política, e que só se participa da política em coletivo. de todas as coisas que me surpreenderam em 2014, a que mais me tocou foi reencontrar gente que estava distante há muito tempo. e encontrar gente de outros mundos, de outros rolês, que olha a política hoje e quer entender, quer participar, não quer mais ficar a margem.

o ano em que completei 50% da vida como militante por opção (porque militante-acompanhante sou desde a barriga). dos meus 26 anos de idade, os últimos 13 passei "sendo militante", ou seja, dedicando boa parte da vida para a transformação do país e das nossas vidas. é uma escolha de vida, porque sei que pra mim não existe felicidade fora da busca pela felicidade coletiva. desconheço prazer no "me dar bem" individualmente, mas cada vez mais aprofundo o prazer do "é nóis por nóis", da construção coletiva das vidas, das experiências e do futuro. cada vez mais certeza nessa escolha de vida, foi o que 2014 me deu.

e foi nesse ano que fui reencontrando muita gente. gente da família ou amiga da família que (re)encontrei nos espaços da política. gente que estudou comigo, que conheci no bairro, na rua, nos rolês e que (re)encontrei nos espaços da política. gente que nunca se interessou pela política mas que agora quer fazer algo. gente de outras épocas, que foi por caminhos diferentes dos meus para lugares diferentes dos meus, mas que chega no final de 2014 com uma certeza muito próxima da minha: do jeito que tá as coisas não permanecerão por muito tempo e é necessário se articular e se posicionar.

e teve muita gente que (re)encontrei e que não conhecia antes. gente que já ganhou espaço no meu coração. gente com quem dividi casa, trabalho, comida, arte, criação, festa, alegria, cama, bagunça, tarefa... à todas essas pessoas (e saibam sempre que eu sou pior em demonstrar o carinho pessoalmente do que em senti-lo, e isso significa que provavelmente eu gosto de você mais do que você imagina) minha mais profunda gratidão. conhecer e compartilhar a vida com gente tão linda (apesar dos desencontros no meio desses encontros) é fundamental para dar conta de seguir adiante.

2015 ainda não chegou, mas já dá um frio na barriga. se 2014 foi um ano de muito trabalho, de muita luta, de muita manifestação, de muita criatividade para fazer política com ousadia e alegria... 2015 vai ser mais. estabilidade não combina com o que está por vir. o mundo está em ebulição. o brasil está em ebulição. tem gente inventando jeito novo de fazer política, de fazer partido, de fazer democracia. gente misturando o mundo digital e o mundo analógico e criando umas coisas bonitas e outras tantas terríveis. gente fazendo arte com política e sambando na cara do conservadorismo. tem gente ousando colorir e enegrecer a esquerda e a vida. a coisa tá que tá!


tem muita gente que se assusta com isso e tem medo do que está por vir. ora bolas, a direita reacionária está mostrando os dentinhos sim. mas nós também estamos. o povo está se organizando e indo pra ofensiva. as contradições estão aumentando. ninguém se conforma em manter a vida como está. então as coisas vão ter que mudar. e nesses momentos de mudança todas as forças políticas querem colocar o bloco na rua para tentar influenciar os rumos do país que estamos construindo. e eu não tenho dúvidas: as lutas populares constroem cotidianamente um brasil mais justo, mais igual e mais feliz.


se vamos ou não ganhar essa luta, essa batalha e essa guerra, eu não leio futuro e não sei. mas tenho certeza que do trabalho e da luta eu e muita gente por aí não vai fugir... porque não vamos fugir da responsabilidade que é participar ativamente da vida política do país e tentar construir um futuro de mais vida, felicidade e alegria para os que virão. o futuro será de mudança e isso me anima: porque vejo o (re)encontro e a solidariedade produzidos, construídos e distribuídos em 2014 e tenho certeza que tem muita gente dando o sangue, trabalhando pesado e com muita disposição para enfrentar os desafios que virão.

2015, seja bem vindo. pode chegar quente que eu tô fervendo!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

escrever

começo a escrever com a força de um vômito que quer sair e que não consegue e de repente explode. a imagem é feia e eu sei que é porque sei também que é feia a ausência de tempo para escrever, para estar sozinha, para conseguir estar sozinha e ter tempo e energia e vontade e coragem de escrever. é tão difícil quanto enfrentar o vômito e entender que às vezes mesmo sendo ruim e ficando o gosto amargo na boca é melhor isso do que aquela sensação permanente de passar mal, de comida estragada no sistema digestivo.

escrevo assim sim porque faz quase um mês que eu não escrevo e isso me consome e me mata por dentro. porque não escrever para mim é quase como não existir. é não conseguir entender o que acontece comigo, é não dizer para os outros o que eu penso. e o sentimento fica ali represado, acumulando, dentro de mim. porque foram - os últimos 30 dias - dias tão intensos, de tanta correria, de tanto trabalho e tanta tarefa que eu nem lembrava mais meu nome, não sabia mais quem eu era.

isso embrutece. quando a gente esquece da gente mesma e trabalha tanto que não tem tempo nem de dormir nem de comer direito nem de respirar com calma nem de transar nem de paquerar nem de ver amigos nem de se divertir nem de escrever. e aí a gente se perde e se some.

mas olha que eu não estou reclamando do meu trabalho não. sou muito feliz por trabalhar construindo coisas nas quais eu acredito. mas falta a medida. falta saber colocar limite. porque a gente não pode se perder no trabalho. porque quando a gente se perde, a gente perde a capacidade de encontrar o outro. e eu sei que tenho essa mania. essa relação de dependente químico com o trabalho. de me enterrar no trabalho para fugir de todo o resto. para não ter que lidar comigo mesma.

e pior. sei que nesse processo, na ausência de mim, também é ausência de carinho e de cuidado com os processos e as pessoas. é um processo em que tudo é tão importante e tão urgente que a gente perde a mão. que a gente é bruta sem querer. que a gente entra num parafuso.

não sei exatamente porque escrevo sobre isso, dessa maneira destrambelhada, confusa, sensacionalista e de peito aberto assim de coração aberto assim como um livro aberto sem esconder nada. mas essencialmente o que eu preciso escrever, e deixar bem claro e bem explícito e bem forte pra mim é que ou eu arranjo tempo para mim, ou eu não consigo existir. ou eu priorizo cuidado e carinho para as pessoas de quem eu gosto ou eu não vou conseguir construir relações com substância.

talvez esse texto seja apenas para dizer: escreva, lira, escreva. arrume tempo para escrever. (e aí também arrume tempo para dormir, para descansar, para comer sem pressa, para ler, para ouvir um som). mas escreva, e não pare de escrever porque só assim você consegue respirar, consegue sobreviver, consegue ser uma pessoa mais humana. não se adapte à correria da cidade de são paulo que desumaniza tanto as pessoas. consiga tempo. furte tempo se for necessário. mas escreva. porque escrever é preciso para não se afogar de si mesma.

domingo, 23 de novembro de 2014

sorria

sorria mais.
saia ao ar livre.
aproveite o sol, quando ele vem. aceite a garoa quando ela aparece. tome banho de chuva ou saia correndo, mas se permita correr o risco da chuva.

curta o espaço público.
você pode sentar no chão e fazer da grama areia de praia.
você pode cantar, dançar, conversar, abraçar...
esteja presente ali.
sem precisar de celular.
sem precisar mostrar pra ninguém.

veja as pessoas.
elas são lindas em sua diversidade, e pulsam.
as pessoas fervem e criam e brilham.
a vida é poesia.

parques, praças, shows, esporte.
juntar as pessoas que de segunda à sexta correm apressadas
não se veem, não se reparam, não têm tempo.
no domingo, no ibirapuera, a gente se encontra.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

não tirei nenhuma foto

não tirei nenhuma foto, mas as lembranças estão aqui.
e vou transformá-las em verso, em texto corrido, em escrevinhação.

cansei dessa vida editada e ditada pelo facebook.
o que não acontece no mundo virtual
pode ainda acontecer no mundo real

divulgar e propagandear ideias, produções e arte nessas redes
tem potencial
mas a minha felicidade
meus amigos
minha vida
eu prefiro ao vivo, a cores e no quente.

menos fotos e mais abraços
- abraços apertados como só que ganhamos no dia de nosso aniversário -
quero o virtual para potencializar o real
para ser mais fácil de marcar encontros
ao invés de afastar
pra possibilitar que os que estão distante
ainda assim possam se falar
pra disseminar a arte
que não cabe no museu

mas quero mesmo é o coletivo
o toque
o carinho
a força do brilho no olhar
o embargar da voz
o arrepio da pele
o sorriso
o tempo que passa

é com isso que me sinto completa.
e não preciso fotografar o que vive pulsa e bate forte no meu coração.
prefiro compartilhar abraços do que likes no facebook.

me ensina

queria te contar:

quando eu aprendi a fazer tudo isso que faço hoje, tinha muito pouca gente pra me ensinar. fui aprendendo assim, na porrada. batendo a cara na parede. me fudendo sem ser gostoso. não rolou exatamente uma preocupação em construir processos pedagógicos e fui assim, apanhando e crescendo.

mas eu acho que isso está errado. que a gente tem que aprender a ser pedagógica, humana, carinhosa, dar atenção, acompanhar processos, ser amiga, parceira, companheira. que essa forma de fazer as coisas assim, sem acumular a sabedoria de transmitir as coisas que a gente sabe fazer, é uma das maiores imbecilidades que existe.

eu tenho certeza que você vai ser melhor que eu. porque tem menos vícios. porque não precisou passar pelas merdas que eu passei. porque - se tudo der certo - eu te ensino algumas coisas e você pode não cometer os mesmos erros que eu. você vai errar, é certo, porque todo mundo erra e o erro faz parte e ensina pra caralho. mas não existe justificativa no mundo que me permita deixar você cometer erros iguais aos meus. cometa erros melhores. avance. seja melhor do que eu.

você me ensina. me ensina muito. ao apontar meus limites, meus defeitos, meus erros. ao me lembrar que eu não posso te tratar assim e que tenho que ser mais humana, que tenho que ser mais feliz, que tenho direito de ter tempo pra mim mesma, de gostar de mim mesma. você me ensina ao fazer as coisas que eu aprendi a fazer depois de levar tanta porrada com muito mais facilidade, muito mais leveza, muito mais sentido.

eu quero te ensinar as coisas que eu sei fazer. quero te ajudar a não cometer os erros que eu cometi. quero ser sua companheira. mas eu preciso de ajuda. nunca me ensinaram a ensinar isso tudo. nunca me ensinaram que isso é importante do jeito que é.

me ensina a te contar minhas histórias? me ensina a te ensinar?

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

de cifrão à foice e martelo

é um caminho pequeno
na sua mão
a distância entre o que foi
o cifrão
e o que é
a foice e o martelo.

são desenhos, um dia, algumas horas
e se transforma.

porque um dia nos ensinaram a amar o dinheiro.

juntos a gente descobriu que dinheiro não compra felicidade...
mas trabalho coletivo constrói amor.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

remédio pra insônia

a cidade nem sei se dorme - tão distante ela parece do meu quarto.
na tela, a vida pulula.
articulações, conspirações tomam conta. daqui a pouco amanhece e o sono ainda não chegou.
como dormir?
como parar?
se o futuro parece tão perto.
se cada ação parece tão decisiva.
se só olho pro mundo, e fico em segundo plano.

mas eu existo, e sinto dor.
meu corpo pede contorno.
pede calor. pede carinho.

a correria louca dessa cidade me afasta das pessoas, dos sonhos, do sono.
o remédio pra insônia é amor.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

da beleza e da feiúra que tem a democracia

é bonito sim.
saber que a cada quatro anos todas e todos os brasileiros podem ir às urnas e apertar as teclas e definir seu voto. e que nesse momento o futuro do país é definido e que o voto de uma empregada doméstica vale o mesmo que o voto de um bilionário branco nascido em berço esplêndido.
é bonito sim.
saber que quem escolhe o futuro da nação não é uma ou outra pessoa, não é quem tem mais poder, mas é o todo. todo mundo que vai até a urna e digita um número ou outro e que contribui para determinar quem é que vai ganhar essas eleições.
é bonito sim.
saber que em um dia, em um acúmulo de poucas horas, são milhões e milhões de brasileiras e brasileiros (e vejam, é no mesmo dia, espalhados por todo o país) saem de suas casas e pensam e se deparam com a questão "qual é o futuro que quero para meu país?" e é gente que pega barco e é gente que vai a pé. e é gente que sai de uma casa que fica no sertão seco ou no meio da amazônia ou numa cidade grande e caótica e pega trânsito e bate o carro mas mesmo assim vai. e é gente que vai com filhos. e é gente que vai com os pais. e é gente que encontra na sessão eleitoral um amigo de longa data que só encontra a cada dois anos, sempre. e é gente que prefere ir pra praia ou dar migué mas que mesmo assim sabe que naquele dia está deixando de fazer o que milhões estão fazendo. e é gente que viaja centenas de quilômetros para apertar uns botões. e é gente que escolhe a roupa, a cor do sapato, do esmalte, do batom. é gente que se enche de adesivo ou não que acha isso importante ou não que decide na última hora pegando um papelzinho no chão ou prepara uma colinha com os números ou inventa ou anula ou sabe de cor. de coração.
é bonito sim.
porque ajuda a gente a entender que fazemos parte da história e do futuro do país e das escolhas. porque a beleza da democracia está no fato de que o povo como um todo é que tem o poder e que participa das escolhas. e que com certeza estamos em uma situação muito melhor do que há 25 anos atrás quando eu nasci e isso era uma novidade.

mas é feio também.
porque não conheci o que era mais feio e veio antes disso, porque quando eu nasci já era assim.
porque essa democracia que é tanto para os que vieram antes e viveram a vida sem ela é muito pouco, muito muito muito pouco para o que eu quero.
porque é limitada. porque a política não pode acontecer na vida de uma pessoa comum apenas a cada dois anos.
porque ninguém aguenta mais os políticos que só aparecem a cada dois anos, que só entregam obras a cada dois anos. que só falam das coisas que precisam mudar e precisam melhorar a cada dois anos.
porque ninguém acredita mais no amor daquele que pega o bebê no colo hoje para tirar foto e amanhã esquece porque precisa nomear secretários e ganhar dinheiro e etc.
porque por mais bonito e romântico que seja esse papo de uma pessoa um voto o poder da mídia e das grandes empresas financiadoras de campanha é mais forte do que o poder dos movimentos e das organizações livres e de qualquer paixão e de qualquer projeto político e isso dá náuseas de tão nojento.
porque é tanta vaidade, tanto personalismo, tanto jogo de interesses, tanta falsidade, tanta vida vivida de aparência, tanta impossibilidade de se dizer o que se pensa, tanto disputismo que chega uma hora que o projeto, a política, os sonhos, os ideais são só perfumaria, são só a cor da gravata, são só um slogan mais bonito, e o resto é tão parecido tão igual que fica difícil saber o que é melhor.
é feio.

a beleza que a democracia tem, de fazer-nos todas e todos iguais, de possibilitar à todo o povo o debate sobre os rumos do país é o que faz com que eu me apaixone por ela. é o que faz com que eu tenha certeza que tô no caminho certo: o princípio de que todas as pessoas tem o mesmo valor.
e eu acredito nisso com todas as minhas forças: todas as pessoas (e quando falo todas é TODAS mesmo sem faltar nenhuma) têm o mesmo valor. sabe aquelas pessoas que passam a vida mostrando para as outras que são mais importantes? esfregando na cara dos outros o "você não sabe quem eu sou"? vivendo uma vida cheia de servos, serventes, serviçais? poizé. na democracia ela vale igual.

a feiúra que a democracia tem é que isso só vale um dia. e mesmo nesse dia vale pouco, porque tem gente que detém os meios de comunicação, e detém a grana que compra panfletos e toda uma máquina de cabos eleitorais e boqueiros e crianças que fazem aleluia com panfletos nas portas das escolas. a feiúra que a democracia tem é que ela é pouco democrática e que democracia de verdade se faz quando o povo pode participar e quer participar e debate política e entende que sua vida é influenciada pela política do país todos os dias.


a geração dos meus pais construiu a democracia. a geração dos que lutaram contra a ditadura, dos que fundaram o PT. essa geração deu o primeiro passo para a democracia em nosso país. mas essa geração (com todo respeito, com toda admiração e com todo amor que tenho por ela) envelheceu. essa geração entrou na lógica da democracia que ajudou a construir.

mas a nossa geração não. nós nascemos e isso já estava aí. crescemos com o PT já no governo.

vou te dizer: a gente acha é pouco.

porque a gente quer mais. mais democracia. mais participação. mais política. mais condições de influenciar no futuro do país.

e agora é hora de aprofundar a democracia do brasil. é hora de uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político. é hora de plebiscito. é hora de participação popular. é hora de um novo ciclo de mudanças no brasil, de uma nova geração.

não porque os deputados decidiram.

mas porque as ruas gritam. porque a juventude não quer viver um mundo do passado. porque o povo quer o que lhe pertence.

o tempo que tem que ter

queria escrever mais.
queria ter tempo para escrever mais.
queria ter um computador que não travasse toda hora pra poder escrever mais.
queria ter materiais e cadernos e canetas infinitas para escrever mais escrever sempre sem parar.
queria receber um salário para ler e escrever e poder fazer apenas isso e nada mais.
queria escrever tudo e traduzir tudo o que sinto o que penso o que quero em palavras pretas na tela branca e fazer poesia e fazer prosa e fazer teoria em palavras escritas.
queria ter coragem de escrever o que penso o que sinto o que é bonito o que é feio o que é bom o que é ruim o que eu gostaria de esconder o que eu quero explodir.
queria que fosse tão bonito e tão importante o que eu escrevo que fizesse sentido para as outras pessoas.
escrever me liberta porque me significa.
a correria quando aumenta, quando me impede de escrever e de comer e de sentir prazer e de curtir a vida. a correria pode fazer mal se a gente abre mão da gente mesma. talvez necessária por alguns dias, talvez importante por algumas semanas. mas não pode ser permanente.
refletir, compartilhar, transformar em poesia, em canção, em teoria ou em arte o que se vive é também aprender a olhar com cuidado para o que se faz.
e fazer o que se faz pensando sobre o que se faz e não apenas fazendo é ser humana e não máquina.
é bom ser humana.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

dilma e homofobia

(foi um post no facebook, mas achei digno de guardar o sentimento e as palavras e o momento e tô postando no blog apenas por isso)

a cabeça está a mil por hora e eu nem sei direito onde me segurar e vou me permitir fazer um depoimento pessoal no facebook.
hoje o ‪#‎PeriferiaComDilma‬ foi lindo. genial.
entre mil coisas importantes, gostaria de contar uma coisa: a Dilma Rousseffdefendeu a criminalização da homofobia.
na hora em que ela falou isso, eu comecei a chorar. e chorei no comício e em todo o caminho (bem longo) entre a querida Cohab II de Itaquera (onde passei anos deliciosos da minha adolescência) e a minha casa no Butantã.
chorei porque a menina de 12 anos de idade que mora dentro de mim, a menina que tentou se matar porque a única coisa que sentia era ódio, a menina que tinha medo de sair da sala no intervalo porque alguém podia agredir ela, a menina que gostava de política, futebol, falava palavrão e usava cabelo curto, a menina que todos diziam que era lésbica... essa menina sentiu que a culpa não era dela.
essa menina olhou pro passado e viu que muita coisa mudou. há 12 anos atrás a palavra homofobia não existia nas escolas públicas. há 12 anos atrás não era fácil descobrir o feminismo. há 12 anos atrás não tinha onde denunciar essas agressões. há 12 anos atrás ela se sentiu sozinha, culpada, triste. há 12 anos atrás uma mulher não poderia ser presidentA da república.
hoje muita coisa mudou. é claro, precisa mudar mais. tem muito caminho ainda pela frente. falta muita coisa. tem um monte de problema no pt, no governo, no sistema político...
mas ouvir a presidenta da república defendendo que a homofobia deve ser criminalizada foi como se aquela menina de 12 anos atrás ouvisse o poder público dizendo "a culpa não é sua. os que te violentaram é que cometeram um crime".
(não, eu não sou a favor de criminalizar tudo, acho que cadeia não resolve quase nada desse mundo, mas acho que o estado se posicionar publicamente contra a homofobia é fundamental, é muito importante. é um dos tantos avanços pelo qual lutamos, que esperamos do próximo governo e que sabemos que dia 26 a Dilma é a única alternativa para quem quer avanços como esse.)
não foi a chuva. mas eu estou de alma lavada.
cada vez com mais orgulho de dizer:
tô com Dilma e não abro. 

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

mulher, coração valente.

hoje eu tive um sonho.

a rua escura, um poste aqui e ali iluminavam o caminho.
eu andava apressada, mas muito feliz. meu vestido vermelho, minha bota vermelha, meu óculos vermelho. eu era vermelho-pt da cabeça aos pés, porque sentia orgulho de estar do lado que estou.
um carro se aproximou devagar. baixou lentamente o vidro fumê.
"vagabunda" diz o homem-de-bem, jovem, bem apessoado, branco, limpinho, de camisa social azul. e cospe na minha cara.
por alguns segundos me dá vontade de chorar, mas reparo no carro. só o carro equivale a uns 15 anos de trabalho, com o meu salário atual. ostentava um adesivo do candidato da corrida presidencial.
a tristeza se transformou em coragem.
coragem para enfrentar a porra desse mundo.
esse mundo que não aceita que mulheres falem ou façam política. que não aceita as mulheres ocupando o espaço público. só podem ser vagabundas as que estão na rua à noite, não podem ser apenas pessoas felizes. (aliás, qual o problema de ser vagabunda? por que a sexualidade de uma mulher tem que ser algo depreciativo? a mulher dá (ou não) o que ela quiser pra quem ela quiser). esse mundo que chama de leviana. que chama de vaca. que chama de descontrolada. esse mundo que debate publicamente a aparência, mas esconde qualquer tipo de violência. esse mundo hipócrita.

hoje eu tive um sonho.

uma mulher presidentA do brasil (com A sim senhora que é mulher e sabe bem disso). uma mulher que enfrentou a ditadura. com desenvoltura e grande capacidade de liderança, impunha-se perante homens acostumados em mandar. cumpria a tarefa de "figura pública". lutou. foi presa. enfrentou a tortura. trabalhou muito na política. enfrentou homens poderosos. enfrentou muita coisa de cabeça erguida.e hoje participa de um debate em rede nacional. e é a primeira vez que uma mulher é a mediadora de um debate. uma mulher jovem. ela media o debate entre os candidatos. um homem, e uma mulher.

hoje eu tive um sonho.


acordei corajosa.
coração valente.

sábado, 4 de outubro de 2014

aniversário da democracia.

estou ansiosa por amanhã. amanhã será um dia belo.

não importa o resultado, eu quero dizer que estamos ganhando no brasil.

porque junto com a minha geração, a geração que nasceu na democracia...

esse ano lembramos os 50 anos do golpe militar.

a comemoração da democracia é a melhor descomemoração do golpe de 1964.

é a derrota da geração de 1964.

é a vitória da geração do início dos anos sessenta, os que quiseram construir reformas para democratizar esse país, enfrentar a desigualdade e que sofreram com um violento golpe de estado.

é a vitória da geração de 68, que debatia liberdade e filosofia e amor livre e igualdade social. a geração que partiu para as armas por ser a única saída quando começaram a morrer seus iguais.

é a vitória dos presos, dos desaparecido, dos que sofreram, dos familiares que seguiram lutando.

é a vitória de todos que lutaram contra a ditadura.
 
é a vitória das mulheres negras que nunca mais terão que ser escravas como todas suas antepassadas.

é a vitória das mulheres negras que homem podem se levantar contra os que as identificam como instrumento sexual.

é a vitória dos movimentos sociais, dos trabalhadores organizados, do movimento popular.

é a vitória da constituição construída no mesmo ano que eu nasci.
e minha geração, que só conhece essa constituição quer mais mudança, mas ao mesmo tempo não nega as gerações anteriores.

reconhecemos a importância, mas queremos mais:

queremos acabar de vez com a geração de 64. queremos enterrá-la.

queremos poder amar quem a gente quiser.

queremos o fim da polícia militar e o fim da militarização da vida.

queremos a democratização dos meios de comunicação.

queremos uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político.

amanhã faz aniversário a democracia!

e eu só quero mais!

--

em tempo: esse sentimento tem se alastrado pelo país todo. os tucanos, de braços dados com a grande mídia, com a polícia corrupta, com todo tipo de corrupção e conservadorismo tem perdido força. no estado de são paulo, no entanto, infelizmente o fantasma não aceita ir embora.

alckmin e skaf são o que de mais podre resta do passado da ditadura. precisamos acabar com eles no estado de são paulo.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

saia justa?

Na última quinta fui convidada para representar a sociedade civil na instauração da comissão da verdade da prefeitura de são paulo.
Falei o que acredito: que a ditadura deixou legados que afetam profundamente a vida da juventude do presente.

Falei da polícia que mata a juventude pobre e negra todo dia, que só no estado de São Paulo, a PM mata mais de duas pessoas por dia. Claro que citei a declaração do Haddad porque não podemos aceitar que ele faça declarações desse tipo. Porque é errado e é irresponsável. Hoje coronel telhada, na câmara municipal, responde à qualquer acusação de direitos humanos dizendo que é "um casa isolado".

Mas falei também do conservadorismo, porque quem chamava de subversão pílula anticoncepcional e camisinha são as mesmas pessoas que acham que homossexualidade é doença e fazem o brasil ser um dos países mais assassinos de lgbts; são as pessoas que acham que a mulher não tem direito de decidir sobre o próprio corpo e não permitem a legalização do aborto, preferem deixar as mulheres morrendo nos procedimentos clandestinos.

Falei do sistema político que existe, construído que foi pela ditadura que mantém as grandes empresas com muito mais poder do que o povo. E que a única forma de superarmos os legados da ditadura é com uma Constituinte exclusiva e soberana do sistema político.

E falei também do monopólio dos meios de comunicação, das famílias que atuavam junto com a ditadura criando uma narrativa sobre a história que escamoteava, camuflava e escondia toda a violência, toda a opressão, toda a corrupção e todo o absurdo que rolava e ainda rola, porque ainda são essas mesmas famílias que dizem o que é verdade hoje no nosso país. Falamos da folha de são paulo que emprestava automóveis para transportar presos e corpos assassinados pelo regime.

A "saia justa" é pro Haddad, que tem que melhorar as declarações que faz (e também ir conhecer de verdade a operação delegada, que não é nada disso que ele diz que é).

Mas a "saia justa" é pra folha também, que adora falar mal do PT mas não reconhece os absurdos praticados por ela mesma. Até o Haddad (quando respondeu à minha provocação, na fala dele na cerimônia) disse que a declaração dele foi distorcida pelos meios de comunicação, e que não dá pra acreditar no que se lê nesses jornais.

Foi engraçado: depois que acabou tudo, o repórter da folha veio logo me perguntar "o que você achou da resposta do prefeito?" Eu respondi: "olha, eu discordo da análise dele sobre a operação delegada, mas eu acho que ele tá certo: a grande mídia distorce a realidade"

PS: a cerimônia foi linda e é fundamental uma comissão criada no formato da Lei, composta por gente muito comprometida e guerreira. uma comissão que vai ter condições de vasculhar a fundo o que a prefeitura fez nos anos de chumbo. disso a folha não fala.

PS2: esse texto foi originalmente publicado no facebook, sem título. fiquei quebrando a cabeça aqui pensando em um título, e acabei colocando mais ou menos o mesmo que a monica bergamo (que escreveu a coluna da folha). mas aí fiquei pensando sobre esse termo "saia justa" (ele já me incomodou quando postei isso no face, por isso tinha colocado as "" nele, mas agora que tô no blog e as pessoas só vão ler até aqui se quiserem muito me permito uma tergiversação). eu não acho saia justa um problema nem uma vergonha. acho que é normal a pessoa querer usar uma saia justa e me incomoda o fato desse termo ser usado como uma forma de dizer que a pessoa passou por uma situação difícil. conheço uma porrada de mulher que arrasa na saia justa e não deixa isso ser dificuldade nenhuma. (não sei se esse comentário faz muito sentido, mas quis fazer mesmo assim).

domingo, 28 de setembro de 2014

abortaria

é sempre alguma coisa mais ou menos assim:

a camisinha estoura, porque ninguém ensina a colocar direito.
um cara zuado te convence que era tudo bem transar assim sem camisinha e você pensa que se não topar assim vai perder a grande chance de ser feliz com ele e acaba cedendo.
não tinha camisinha tavam os dois bêbados e se colocaram numa situação arriscada assim sem perceber.
ou então:

alguma coisa qualquer coisa na vida aconteceu e a menstruação atrasou.


---


aí bate aquele desespero "e agora?"

e a faculdade, e as contas, e a vontade de estruturar uma vida, e a ausência do cara, e os sonhos e os planos e etc quando uma criança não está planejada e não tem condições de ter boas condições para recebê-la.

quando você prefere não.

o corpo é seu, a vida é sua.

e a gente sabe que só pode assumir a responsabilidade por coisas e vai dar conta.

eu digo: hoje, eu abortaria.

coerência e pé no chão

na política, em especial nessa política institucional do congresso, parlamento, candidatos, executivo e legislativo, é difícil encontrar alguém contra quem não pese nenhuma crítica negativa.

mas até agora não encontrei ninguém que colocasse dúvidas ou questionamentos sobre a coerência, a firmeza política e ideológica, o compromisso e a capacidade política do Renato.

ele sabe que hoje o que determina esse jogo da política, infelizmente, não é o projeto político, mas o poder econômico, os financiadores de campanha. e não tem medo de dizer isso em alto e bom som, e se comprometer em transformar essa realidade: e é por isso que ele foi um dos candidatos que mais pautou a luta pela constituinte exclusiva e soberana do sistema político. não só pautou a luta como ajudou a construir de fato e todos que fizeram campanha pra ele também construíram o plebiscito. ele esteve ao nosso lado nos atos da campanha, marchando lado a lado com os movimentos sociais, de pé no chão.

quando foi deputado estadual, criou a primeira lei a criminalizar a homofobia, uma lei que virou referência para o movimento LGBT. criou também a lei estadual que criminaliza o racismo. luta pelo direito das mulheres. ele é daqueles caras que apesar de homem e branco sabe que todo mundo é igual e luta pela construção de uma sociedade que celebre a diferença e não que silencie.

e é assim que ele é: lado a lado do povo, tem clareza do seu papel dentro do legislativo e vai em frente. foi em um mandato como deputado estadual que ele transformou em lei a proteção às vítimas e testemunhas de violência e a punição à homofobia e ao racismo. ele é favorável à desmilitarização da PM porque sabe que já basta de violência policial, que só mata e criminaliza os pobres e os movimentos sociais.

mas ainda talvez mais relevante do que tudo isso, ele sabe que a essência da política são as pessoas e não o dinheiro. uma campanha que é feita de outro jeito, por gente que nem a gente, uma campanha militante. não encontrei ninguém que faça campanha pra ele que não saiba o que está fazendo. conhece a importância de politizar e organizar o povo, e sabe que as eleições tem que ser consequência e não fim em si mesmo.

Renato Simões tem meu voto para deputado estadual. é 13813.

sábado, 27 de setembro de 2014

sou petralha

resolvi assumir: sou petralha.


depois de tanto ouvir gente raivosa e cheia de ódio me chamar de petralha, eu resolvi assumir. sou petralha sim.
ser petralha é reconhecer que os últimos 12 anos de governos PT foram importantes para a melhoria de vida do povo brasileiro.
ser petralha é se importar com o fato de o brasil ter saído do mapa da fome.
ser petralha é achar que mulheres, negras e negros, homossexuais, empregadas domésticas, usuários de drogas, pessoas com deficiência, presidiários, velhos, crianças, moradores em situação de rua e indígenas são gente igual a toda gente e merecem ter seus direitos e suas vidas respeitadas.
ser petralha é achar que não está certo a forma como o brasil lida com a sua história, com os legados da escravidão e da ditadura.
ser petralha é apoiar as cotas raciais e acreditar que é necessário romper com o racismo institucional e com a servidão moderna.
ser petralha é reivindicar os mortos pela ditadura, apoiar a existência de comissões da verdade, a revisão da lei de anistia e a punição aos torturadores.
ser petralha é reconhecer que os meios de comunicação no nosso país são bizarramente concentrados e que é necessário democratizar.
ser petralha é achar que a polícia não pode agir como age. que a violência não é algo justificável, que é necessário desmilitarizar.
ser petralha é achar que o poder público deve criar políticas que favoreçam os mais pobres, as mulheres, os negros, as lgbt, as crianças, os idosos, os trabalhadores.
ser petralha é querer construir um mundo em que os trabalhadores (que é quem trabalha e que produz a riqueza) vivam livres de qualquer forma de exploração.
ser petralha é achar que nenhuma religião pode impor nada à ninguém.
ser petralha é defender uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político, sabendo que dentro desse sistema nossos sonhos e vontades não vão ter espaço.
ser petralha é achar que o desenvolvimento nacional é importante, principalmente quando ele enfrenta a exploração imperialista das grandes transnacionais.
ser petralha é achar que movimentos sociais, políticos, culturais e artísticos são bons e importantes para o fortalecimento da democracia.
ser petralha é defender o direito à greve e à manifestação. é reivindicar aumentos de salário. é ser contra terceirização e precarização do trabalho.
ser petralha é achar que todas as pessoas devem poder produzir cultura, e que tem que haver mais espaço para a diversidade.
ser petralha é achar que o brasil deve conhecer o brasil e não só o eixo rio-são paulo.
ser petralha é apoiar os mais médicos.
ser petralha é achar que nosso país deve privilegiar as relações internacionais com a américa latina e com a áfrica, nossos irmãos de sangue e história.
ser petralha é achar que as mulheres tem o direito de decidir sobre o próprio corpo, que sexualidade não deve ser um tabu mas um prazer.
ser petralha é questionar a criminalização das drogas, a relação do crime organizado com a polícia e com os reaças de plantão.
ser petralha é não tratar o povo como burro, e acreditar na capacidade de análise que o próprio povo tem.



(aí essa é a hora que algum classe média esquerdista raivoso e cheio de ódio vem dizer "ai mimimi mas o governo do pt fecha com a bancada fundamentalista, barrou o kit anti homofobia, fecha com o agronegócio, com a kátia abreu, tem aliança com os tubarões do ensino, etc etc etc")


e é por isso que eu sou PETRALHA e não petista.

porque nessas eleições eu resolvi dedicar três semanas da minha vida para fazer campanha para o PT porque sei que, no jogo da política institucional - que não é o jogo que eu jogo prioritariamente - isso faz diferença. porque eu sei que a disputa existente é entre o projeto neoliberal reaça, conservador e pai da desigualdade social e o projeto neodesenvolvimentista que é bastante conservador (mas é menos do que o outro) e distribui renda, e melhora a vida do povo. porque eu sei que eu tenho lado nessa disputa, mas eu não me iludo achando que minha luta, minhas pautas, meus sonhos vão caber nas urnas.

o que eu quero para o brasil não cabe nas urnas, mas sei que o resultado das eleições fazem diferença na realidade concreta e nas condições de construir o projeto que eu quero nas ruas, que é o lugar que não abandono.


e é por isso que em todos os 365 dias do ano eu faço luta. eu sou luta. e é luta pelo projeto popular, pelo projeto petralha. por um mundo sem tios patinhas.

quem me conhece e conhece os grupos que faço parte sabe que a gente faz luta. que não saímos da rua. que não temos medo de criticar, pressionar e discordar dos petistas. que não ficamos presos na disputa institucional. que não temos medo e enfrentamos reaça, machista, homofóbico e racista. que escrachamos os milicos e a rede globo. jogamos merda na globo. fazemos ato na frente da alston e da siemens denunciando o cartel do metrô. lutamos contra o aumento das passagens. lutamos lado a lado do movimento de moradia em defesa do plano diretor e contra despejos. lutamos por memória, verdade e justiça de todo jeito possível. contra os agrotóxicos, em defesa da reforma agrária popular. contra o imperialismo, com ato até na embaixada dos EUA. contra a violência policial, contra o genocídio do povo preto. pela vida das mulheres, contra as encoxadas, contra o assédio, contra a violência, em defesa da autonomia. em defesa da educação pública gratuita para todos. lado a lado aos trabalhadores nas greves e piquetes. tocando ocupações de reitoria pelo país por permanência e investimento em educação. lutando por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político. a gente faz ato, festa, jornal, lambe, pixação, musiquinhas, vídeos, intervenções, cortejos, debates, plebiscito, bloco de carnaval, bateria de escola de samba, teatro, brigadas de solidariedade;

para os que acham que os sonhos cabem nas urnas desse sistema político, sinto muito. eu não acho. meu lugar não é nas urnas dessa política velha, é na luta com a juventude.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

os sonhos não envelhecem

as eleições são essa coisa esquisita. nessas horas (mesmo pra mim que sou militante de uma organização de esquerda) a política parece algo tão distante, tão estranho, tão inalcansável.

as campanhas são feitas por enormes máquinas que mobilizam rios de dinheiro. por publicitários que levam mais em conta as pesquisas de opinião do que a política. em partidos que são mais uma coleção de mandatos do que uma organização coletiva. em candidatos quase todos homens, brancos e velhos. eu olho e só penso: eu não tenho nada a ver com isso.


eu não tenho nada a ver com isso, mas eu não posso fazer de conta que isso não existe. tenho que participar, ter voz ativa e contribuir para que o resultado disso tudo esteja cada vez menos na mão de quem tem grana (e compra os cabos eleitorais, e faz chuva de panfleto e tira foto com cachorrinho fofo e etc) e cada vez mais nas mãos do povo.

por isso eu queria dizer: os sonhos não envelhecem.

é aquele senhor, os sapatos surrados de andar pra cima e pra baixo, uma cara meio esquisita e uma energia que não acaba nunca, uma revolta contra as injustiças que não acaba, sem medo de dizer o que pensa.

ele era estudante de geologia na USP e muito amigo de Alexandre Vannucci Leme e Ronaldo Mouth Queiroz, ambos assassinados pela ditadura. enfrentou, fez muita bagunça, questionou a ordem. e não tem dúvida que a história, o passado e o presente estão extremamente ligados.

pra mim tem uma história que exemplifica o tipo de trabalho (fora da lógica da política institucional) que ele faz e tem disposição de continuar fazendo: a comissão da verdade rubens paiva, da assembleia legislativa do estado de são paulo.

começa com: se não fosse ele, essa comissão jamais teria existido. ninguém tem nem a coragem, nem a ousadia, nem a disposição de fazer isso. mas ele foi lá e fez. bem no meio de um reduto de conservadores, contratou uns poucos (e bons) profissionais e construiu a comissão da verdade mais ativa desse país. foram centenas de audiências, dezenas de publicações. tudo, eu disse TUDO público, tudo transparente. a partir de uma iniciativa que poderia ser pequena, mobilizou o país. ajudou a reconstruir a nossa história.

e não teve medo: expôs a FIESP e o Consulado dos Estados Unidos que participaram das torturas. as empresas. a estrutura da PM. falou dos militares perseguidos, das crianças torturadas... e do impacto que tudo isso tem até os dias de hoje. da violência policial. das empresas. da tortura. de tudo.

e ele fez tudo assim, porque ninguém acreditava que um deputado ia trabalhar de verdade dentro da assembleia. (até porque quase ninguém lá trabalha). deixaram a comissão existir porque acharam que não ia acontecer nada de importante, e ela tem reescrito a história do nosso país. ele sabe trabalhar contra a ordem, dentro da ordem.

é claro que tem seus preços. uma campanha sem apoio, sem recurso é o que ele recebe depois de ter feito uma das coisas mais fodas que rolaram dentro da assembleia legislativa nos últimos quatro anos.

é claro que ele não é perfeito. a gente já brigou feio, mas ele sempre admitiu quando errou. ele é meio exagerado às vezes, meio carente. mas quem não é?

mas eu sei que ele se esforça para operar fora dessa lógica bizarra das eleições, da institucionalidade. que ele se joga. que ele se desafia. que ele é nóis.

eu sei que tenho orgulho da história dele. que reivindico fazer parte de uma geração "filha" da construção desses que lutaram contra a ditadura e nunca deixaram de sonhar. que construíram o PT e nunca deixaram de sonhar. que viram o PT virar o que virou e nunca deixaram de sonhar.

e que, sonhando, nunca deixaram de correr atrás do sonho, de construir todas as possibilidades de realizá-lo.

porque os sonhos não envelhecem, nessas eleições eu vou de 1368, Adriano Diogo para deputado federal.

quem quiser conhecer mais o trabalho dele, aqui: www.adrianodiogo1368.com.br

quem quiser ajudar na campanha, pode falar comigo.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

você é um babaca - ou carta ao namorado de uma amiga

Cara,

eu quero dizer que te acho um babaca.



você namorava uma mulher especial, linda, inteligente. vocês tinham um combinado de monogamia.

sabe, combinado? combinado é quando as duas partes entram em um acordo, concordam com algo, e resolvem combinar. a gente só combina coisas com gente em quem a gente confia. e cumprir os combinados faz parte do processo de construir e fortalecer a confiança.

e aí você resolveu que ia quebrar o combinado. e nem me venha com mimimi mas não deu pra resistir. isso não existe, isso é babaquice. você quebrou um combinado. e foi além: você traiu não só sexualmente, mas você foi um canalha. falou mal da sua namorada pra mina com quem você transou. chamou ela de "patroa", como se você estivesse cumprindo uma obrigação em estar com ela. reclamou do relacionamento.

e não fez nada pra mudar. inventou um jeito de guardar segredo. baixou um aplicativo que esconde as mensagens das "outras" para a "oficial" não se incomodar. sustentou uma mentira. sustentou um relacionamento do qual você reclamava mas não fazia nada pra mudar. ou pior, fazia. saia pra comer outras meninas achando que tava tudo bem.

e aí quando ela teve uma crise de ciúmes você disse que ela estava louca, exagerando. mas quando ela descobriu suas mensagens você não pôde mais disfarçar. e aí veio com o papo de que o homem precisa transar com várias mulheres. beleza, cara, se você acredita isso, não faça o combinado da monogamia. agora, depois que você fez o combinado, vir com esse papo é coisa de covarde, é coisa de babaca.

depois de muito sofrimento, de muita dor, ela te perdoou. porque você veio, todo emocionado, chorando, dizendo que amava ela e que não faria de novo a mesma cagada. que foi coisa de momento, que você reconhecia o seu machismo e que faria de tudo para descontruí-lo. e ela, que sempre confiou tanto em você, quis dar mais uma chance. mas também porque a gente que é mulher aprende a fazer isso, mas também porque temos muito medo de ficar sozinha. e aí acabamos aceitando viver com uns babacas. mas isso tá mudando.

porque da segunda vez que você fez isso ela não topou mais. ela terminou o namoro. e você veio, todo emocionado, chorando, dizendo que amava ela e que não faria de novo a mesma cagada. que foi coisa de momento, que você reconhecia o seu machismo e que faria de tudo para descontruí-lo. e ela, que sempre confiou tanto em você, que te desculpou por cagadas, que esteve ao seu lado em momentos difíceis, ela não quis mais.

ela foi forte o suficiente e terminou (e vou te dizer que a força de terminar um relacionamento ruim, de enfrentar nossa própria submissão, nosso próprio medo é uma das forças mais poderosas que uma mulher tem). ela terminou porque confiança é um processo em construção, e mentira é um tiro pelas costas da confiança.

eu só estou escrevendo para te dizer que você foi um babaca. e que se você quer virar gente grande, quer ser responsável, você vai parar de se colocar no lugar de vítima. vai parar de ficar sofrendo como se ela tivesse sido injusta com você.

eu estou só escrevendo para te contar que isso é machismo. e que se você não quer mais cometer esse erro é mais simples do que parece: não minta. não esconda. não faça coisas que machucam as outras pessoas. não seja um babaca.

você perdeu uma mulher maravilhosa do seu lado. e eu também tenho dúvidas se posso continuar sendo sua amiga. porque meu lado é do lado dela, em quem eu confio, e não do seu, que é um babaca.

espero que você estude o feminismo. que você se esforce para ver o mundo sob a ótica das mulheres. que você admita que existe uma tonelada de machismo em você, que você é sim opressor (é bem melhor isso do que ficar posando de bom rapaz, porque os bons rapazes não se dispõe a aprender). que você se esforce cotidianamente para enfrentar o machismo (porque nós, mulheres, nos machucamos todo dia por causa do machismo, nos mutilamos, e enfrentamos de cabeça erguida... um pouco de autocrítica cotidiana não é nada comparado ao que a gente sofre). eu espero que você aprenda a ser menos babaca.



PS: só pra terminar quero dizer que essa carta foi feita para muitos homens, muitos namorados (e ex namorados) de amigas. se a carapuça serviu, se você se sentiu incomodado, parabéns, você também é um babaca.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

falam mal de mim

texto escrito em 21 de março de 2001 (eu tinha 12 anos)

(só queria dizer pra vocês que toda vez que uma lésbica ou um gay é assassinado eu penso "poderia ter sido eu").

Falam mal de mim...
Será que falam mesmo?
Falam que sou estranha...
Isso é ruim?
Depois se “corrigem”:
Dizem que sou diferente, e não estranha...
Mas, mesmo eu sendo diferente ou estranha,
Seja lá o que eu sou...
Isso não é motivo para,
As pessoas que nem me conhecem direito
Falarem que sou isso ou sou aquilo...
Estranha, diferente, louca,
Isso eu sou, sei e gosto...
Mas tem outras coisas...
Será por ciúmes?
Do que?
Eu sou o que eu me faço ser...
Se quiser me guardo pra mim e não mostro para o mundo quem e como eu sou...
Ou então, Posso fingir ser uma pessoa...
Mais como serei outra pessoa?
Eu sou apenas o que me faço
Poderia, se quisesse, ser qualquer um...
Mas não gostaria...
Não me sentiria bem...
Então, qual é o problema?
Eu apenas ser quem sou?
E continuam falando de mim...
Por eu apenas ser eu mesma...
Queriam que eu me transformasse no que?
Em um padrão
Queriam que todos fossemos máquinas...
Todos iguais...
Só por eu me vestir de um jeito diferente, isso quer dizer alguma coisa?
E também se fosse...
Qual seria o problema???
É...
O mundo é cruel...
Temos todos que ser máquinas...
Iguais...
Se você souber porque...
Me fale...
Gostaria muito de saber...

 Lira

sou da geração de 1988


Eu sou a geração de 88.

Eu sou filha de um homem de 1959.

Com 16 ele fugiu da cidade careta do interior. Saiu de Sorocaba, interior reacionário de São Paulo, e veio pra cá, morar com a vó e estudar. No interior foi chamado de “comunista” por aqueles católicos reacionários e caretas, apoiadores da ditadura, só porque questionava a religião cristã e todo seu peso. Deu sorte (ou foi de propósito?) e foi estudar no Colégio Equipe, um colégio formado por professores que em 68 foram proibidos, pela ditadura, de dar aula em escolas públicas. Professores comunistas.
Participou de manifestações, viveu a cultura, a arte, as festas do fim dos anos setenta. Curtiu Gil e transcendências. Teve aula com Florestan Fernandes. Escolheu, entre jogar de goleiro no corinthians e estudar ciências sociais, ir pra USP estudar. Fez Sociais mas sempre trabalhou, era em jornais. Fez movimento estudantil, mas preferiu a carreira do jornalismo à carreira da política (aquela tão cheia de vícios, autoritarismos, personalismo e disputismo). Foi diretor do jornal Em Tempo. Depois foi cursar jornalismo e contribuiu na construção do PT. Na época de abertura da ditadura, todos que trabalhavam como jornalistas como ele conseguiram o registro de jornalista para poder trabalhar, mesmo sem ter feito a faculdade. Foi ser jornalista e largou o curso de jornalismo (careta demais para ele na época).
Ele encontrou minha mãe (ou minha mãe encontrou ele?) numas das transas loucas dos anos setenta. Fui concebida no início de 88, antes das eleições de 88 e 89. Fui concebida, Lira, no carnaval de 1988 por duas pessoas que se amavam muito. Num prédio chamado Panambi, na Vila Madalena (e a Vila não era nada do que é hoje). Nasci junto com a vitória da Erundina para prefeita.

Eu sou a geração de 88.

Eu sou filha de uma mulher de 1959.

Quinta ou quarta (ou seria sexta?) filha de uma família com nove filhos. São 5 mulheres, e ela é a do meio. Meu vô era um industrial paulista que levou uma rasteira de um irmão que roubou toda a grana e fugiu para os Estados Unidos (porcos capitalistas). Minha vó eterna dona de casa sabia que devia produzir filhas mais livres que ela. As filhas não conseguiram estudar muito, mas fizeram feitos incríveis.
Minha mãe sonhava em ser arquiteta, era projetista de arquitetura na época em que se desenhava tudo à mão e não tinha computador. Era arte. Levou um golpe muito duro (acho que talvez por uma relação machista, em que o cara se aproveitou da situação para fazer a faculdade dele e minha mãe se fudeu). Viajou para a Grécia no primeiro casamento. E pode ter curtido todas as drogas do mundo, ter feito as festas mais loucas. Viveu sua sexualidade e sabe que isso é importante, sem ser nada careta. Um pouco antes de eu nascer passou em um concurso público e virou funcionária da USP. Acompanhava o que acontecia na política porque sabia que aquele era um momento importante de enfrentar “essa gente careta e covarde”. Votou no PT. E foi trabalhar como funcionária num teatro, o que me fez crescer dentro desse mundo lindo e mágico.
Ela encontrou meu pai (ou meu pai que encontrou ela?) numas transas loucas nos anos setenta.Fui concebida no início de 88, antes das eleições de 88 e 89. Fui concebida, Lira, no carnaval de 1988 por duas pessoas que se amavam muito. Num prédio chamado Panambi, na Vila Madalena (e a Vila não era nada do que é hoje). Nos anos 70 minha mãe era funcionária de um tal Miroel Silveira.

Eu sou a geração de 88.

Filha do PT, filha da USP, filha de um corinthiano daora que fugiu do interior conservador. Que foi detido (mas nunca preso), ouve Racionais e Sérgio Sampaio, militou na AP-ML e construiu o PT desde o início. Um cara que fez coisas importantes na política de nosso país mais nunca quis o sucesso e a fama de um candidato e sempre prefiriu a retaguarda. Filha de uma mulher que foi atrás do que quis apesar dos caras babacas. De uma mulher que nunca teve medo de ser quem era, de usar as roupas que quisesse, que fosse mais confortável e feliz. De uma mulher que abriu mão de muita coisa da própria vida para amar e cuidar da filha. De uma mãe que deu os melhores ensinamentos sobre sexualidade e foi exemplo e ponto de apoio quando eu enfrentei as maiores barras da vida. De uma mãe que cozinhou as melhores comidas. Me fez dona da melhor lancheira da escola. Meus pais me ensinaram a solidariedade. Me ensinaram sobre arte. Me ajudaram a ser poeta, a sonhar. Me chamaram Lira. Me fizeram Lira.


             ir
vir
   vira
       lira

sábado, 6 de setembro de 2014

Dilma, coração valente.

Hoje eu estive na plenária das mulheres com Dilma, junto com companheiras da Marcha Mundial de Mulheres e das mulheres da Consulta Popular.

Juntas, nós colhemos milhares de votos para o plebiscito popular, entre as mulheres que entraram no ginásio e as mulheres que ficaram do lado de fora, todas juntas com Dilma.

Cantamos a música “Dilma, coração valente” tantas vezes que quase decoramos inteira, e já estamos inventando uma coreografia para dançar com a Dilma Bolada.

E eu canto “Dilma” com tranquilidade no meu coração porque sei que hoje é a melhor alternativa para o povo brasileiro, porque sei que os últimos doze anos foram bonitos e bons para o povo brasileiro, que a vida melhorou. Que não fez reformas estruturais, mas abalou em pilares estruturais do sistema capitalista-patriarcal-racista. Que fez o REUNI, o PROUNI, o FIES. Que tirou as mulheres negras nordestinas da semi-escravidão que sempre foi a vida da “doméstica” no brasil porque transformou em TRABALHADORA. Que a filha da doméstica também pode virar doutora.

Eu não acho que o governo Dilma vai ser o socialismo, longe disso. Mas eu sei que a verdadeira disputa tem esse projeto de um lado, extremamente limitado, de caráter neo-desenvolvimentista, que tem sido melhor pra vida da classe trabalhadora, porque com mais emprego e mais crescimento e mais escolarização e mais produção mais sonho melhor para a vida das mulheres, negros, lgbt, indígenas. E o projeto ortodoxo-conservador que “libera o mercado” (o que significa priatizar tudo e deixar os bancos mandarem) e é extremamente reacionário, fundamentalista, agronegócio, etc.

Acho que qualquer disputa que não enxerga que essa é a disputa central pra mim está errada, e é esquerdista ou oportunista ou ambos e é coisa de gente que se preocupa mais em parecer revolucionário do que em viver de verdade a vida do povo. É claro que tem muita gente boa nos partidos “mais socialistas”, mas acredito que se miram a Dilma como inimiga nessas eleições estão errando de lado.

Essas eleições é uma disputa de classes. Entre os filhotes da ditadura, o agronegócio, as famílias que mandam na mídia, a militarização, o racismo, o machismo, a violência policial, o genocídio. Entre gente que não tem coerência, que não tem a tradição e o compromisso com o partido, com o coletivo (por pior que o coletivo seja). porque por pior que o coletivo seja ele é melhor do que as pessoas que abandonam o coletivo e vão atrás da política como carreira de sucesso individual. gente que não tem coerência com a própria história.

Hoje no ato das mulheres com Dilma subiram no palco as mulheres companheiras que foram presas junto com ela, que dividiram cela com ela durante anos. Eu admiro cada uma daquelas senhoras. Daquelas guerrilheiras. Daquelas lutadoras do povo brasileiro. Eu chorei naquela hora, vendo aquelas mulheres. Eu quero ser a continuidade da luta delas. Eu quero rever a lei da Anistia.

E a Dilma agradeceu aquelas mulheres que dividiram cela com ela. Todas guerreiras. Dilma sabe que se tem um lado é do lado delas. Foi por isso que afirmou "Se tem uma coisa que nós não somos aqui, é vira-casaca. Quando você tem um lado, pode até lutar por ele, pode até ir pra prisão", contou dos quase três anos em que ficou presa e foi torturada por lutar pela democracia. "Pode pressionar, que você não muda de posição. Ou você tem convicção naquilo que acredita, ou não tem força para lutar e para conquistar".

É isso. Sei que se existe alguma chance concreta para que a vida do povo brasileiro siga melhorando essa alternativa não é com Marina. Nem com Luciana, por mais que ela seja uma pessoa legal acho que desvia demais o foco. Porque hoje ou você está com Dilma, ou está contra o povo.

Mas hoje também – e esse foi o ponto com o que Dilma encerrou seu discurso no ato das mulheres – foi dia de Plebiscito Constituinte. Estendemos uma faixa "Dilm, vota sim! Constituinte Já!". Enfrentamos gente que não queria que a gente mostrasse a faixa, que disse que a gente tumutuou, enfrentamos uma fila absurda (Dilmãe, você atiçou a mulherada, tem que acolher a gente num lugar maior, pra caber todo mundo, pra ser só amor!), cotoveladas, calor, sol, trânsito... Levamos urna. Você até falou que vai votar, né? Mas parece que vai votar amanhã.

Mas você disse, com todas as letras, pra gente:

“E ali estão colocando uma questão importante. O Brasil precisa de uma reforma política. O Brasil precisa de uma reforma política. Quando, logo depois das manifestações de julho, nós enviamos para o congresso uma proposta de plebiscito. Nós não conseguimos passar essa proposta de plebiscito. Por que? Porque ninguém reforma a si mesmo. Então eu quero dizer pra vocês: EU SÓ ACREDITO EM REFORMA POLÍTICA COM A PARTICIPAÇÃO POPULAR, COM A FORÇA DA PRESENÇA DO POVO NAS RUAS DIZENDO QUAL É A REFORMA POLÍTICA QUE NÓS VAMOS ADOTAR. É assim que eu acredito em reforma política. E quero dizer pra vocês: seja da forma que seja nós temos que garantir a consulta ao povo brasileiro. É isso que vai dar força para fazer a reforma necessária nesse país país. Reforma pra que? Pra que o estado brasileiro seja mais transparente, para que não haja corrupção, não se desvie dinheiro público, se controle a forma pela qual se fazem eleições nesse país. Então eu quero dizer , encerrando esse ato, que nesse processo as mulheres desse país são guerreiras. E nós mulheres somos desse jeito. A gente encasqueta com alguma coisa e vai até o fim. Então ENCASQUETEM. Encasquetem nessa eleição. Teimem. Não desistam. Porque nós mulheres sempre acreditamos na nossa família, nos nossos filhos e nos nosso país.”

A Dilma me conquistou.

Foi assim.



Fala da Dilma em:
https://www.youtube.com/watch?v=bYZqFAE5EsM







venho dizer que falhei

venho à público nesse domingo de sol dizer que falhei.
que minha capacidade se extingue e que todos os dias parecem segundas feiras chuvosas em que nenhuma vontade, nenhum motivo, nenhuma obrigação tem mais força do que a dor e a solidão de ficar na cama.
que meus planos mirabolantes foram todos frustrados por falta de persistência, por falta de organização, por falta de capacidade, por excesso de planos.
que meu medo de falhar tem me feito falhar cada vez mais.
que tenho me retirado propositadamente dos lugares em que vocês me colocam.
que  os sonhos que preguei do amor, do companheirismo, da solidariedade, tenho pregado muito mas sentido cada vez mais dificuldade em viver.
que enfrentar as contradições tem sido por vezes tão contraditório que me perco no meio de um turbilhão.
que construir identidade e vontade e vida própria e independente talvez seja muito mais difícil, e doa, e chore e não dê conta sozinha.
e que na verdade não me sinto superior à nenhum de vocês, me sinto inferior, me sei inferior e eu só queria era um pouco de carinho e atenção e isso parece que não existe, que vocês não enxergam essa palavra
que eu não sei dialogar sem provocar, sem estranhar, sem me sentir inferior constantemente.
porque as críticas dirigidas à uma mulher são muito diferentes das críticas dirigidas à um homem
e que a dureza, a determinação, a violência, a força, a sexualidade, o espírito protagonista, a vontade de ser sujeita da própria história incomodam quando é uma mulher, quando é homem não.
que mesmo me sabendo incompleta tenho errado e cada vez mais tenho errado tenho esquecido e falhado.
que tenho repetido que sou mulher tantas vezes que as pessoas desconfiam e acham que eu exagero, e que parece exagero, utilização política (!) de uma coisa que é pessoal ou não existe (?).

venho à público dizer  que falhei.
e que se quiserem podem cortar minha cabeça, me machucar, me bater, ficarem putos, gritarem, me desautorizarem, discordarem.

venho à público dizer que falhei.
mas por favor não permaneçam em silêncio quando sabem que esse silêncio mata. O SILÊNCIO NÃO É UMA CRÍTICA CONSTRUTIVA, ele não educa. ele enlouquece.

venho à público dizer que falhei.
e talvez eu precise que alguém me dê a mão, me procure, me chame pra sair.

venho à público dizer que falhei.
porque afinal de contas nós somos muito parecidas.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

mudar a política

quero mudar a política.

mas não vou parar de falar gíria para isso. não vou deixar meu cabelo comprido nem vestir roupas comportadas para isso. não vou sentar de pernas fechadas, nem segurar o garfo direito nem falar em tons baixos, educados e polidos.

quero mudar a política.

e sei que o caminho central não é sentada numa mesa em grandes debates teóricos. o caminho central não é  dentro de um gabinete. não é negociando cargos e nem contando dinheiro ou influência. o caminho central pra mim não é construído com desconfiança, picuinhas e violência.

quero mudar a política.

desde que eu possa dançar mudando a política e que haja espaço pra dança no novo sistema político.
desde que eu possa rimar e haja espaço para a poesia dentro do novo sistema político.
desde que eu possa amar, e transar e sentir prazer e haja espaço para todo tesão do mundo dentro desse novo sistema político.
desde que esse novo sistema político seja construído a partir das ruas, das quebradas, das festas, dos bailes, dos parques, das pistas de skate, das pixações e dos ônibus lotados.
desde que a mudança do sistema político seja construída pelo povo, com o povo e para o povo porque tenho certeza que com o sistema político que existe hoje não existe nenhum "sujeito político" que tenha a vontade e as condições para mudar o sistema político como é necessário.

quero mudar a política.

porque faz mais de duas décadas que a ditadura acabou mas sobrou tanta coisa dela no nosso país que me pergunto se ela acabou mesmo.
são tantos assassinatos - principalmente de jovens negros - praticados pela polícia
é uma mídia que manipula a realidade na cara dura
é tanta violência - contra as lgbts, contra as mulheres, contra as crianças

quero mudar a política

porque sei que quando eu canto quando eu grito quando eu me apaixono quando eu faço o que eu acredito quando eu escrevo quando ando na rua sem medo quando enfrento a violência quando não baixo a cabeça para injustiças quando vou pra uma manifestação quando sinto tesão quando faço auto-crítica quando compartilho o que sei quando aprendo coisas novas quando não aceito ficar em silêncio quando dou risada do opressor

estou fazendo política

e quero mudar a política porque sei que não sou eu que tenho que me adaptar à política
mas tenho que ajudar a construir uma política em que eu caiba. em que caiba todo mundo.

é por isso que eu vou mudar o jogo. por uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político.

domingo, 31 de agosto de 2014

plebiscito popular

em 2002 eu estava no grêmio da minha escola. eu tinha 13 anos e estava na sétima série.

um dia apareceram na escola dois caras mais velhos. eles estudavam na USP e eram do MST (em 2002 o MST era o graaande símbolo da esquerda. meu consciente político, construído em plenos anos 90, via a veja falar mal dos caras de um jeito tão ridículo, e via a luta de classes borbulhando nas lutas do campo - que eram as maiores lutas da sociedade brasileira então. desde pequena eu sabia que o meu lado era o lado do povo, do MST, contra a veja!). esses dois me levaram para umas atividades em que eu fiquei sabendo que tavam organizando um tal de Plebiscito Contra a ALCA.

o nome alca, que parece esquisito era uma proposta de "neo-colonização" dos estados unidos sobre a américa latina. o governo na época ainda era o FHC no Brasil e o Bush nos EUA. a Área de Livre Comércio entre as Américas era uma forma de aprovar e fortalecer a neo-colonização da américa latina.

eu achei a ideia fantástica. os estados unidos representavam pra mim tudo de ruim que havia. os caras tentavam dominar o planeta com seu jeito de ser, com a sua música industrializada, com as calças jeans que não fazem o menor sentido (são pesadas demais, quentes demais no verão e frias demais no inverno), com a MTV, com os filmes, com as guerras...

a proposta do plebiscito contra a alca tinha tudo a ver com a realidade daqueles tempos. com as angústias dos que cresceram nos anos 90 e questionavam o poderio estadosunidense...

eu tinha 13 anos e era minha primeira gestão de grêmio. lembro que eu e um amigo levamos dois fardos de folha sulfite como contribuição para a impressão de materiais. lembro que eu e um outro amigo tentamos ir para o curso dos mil mas não conseguimos achar o lugar e ficamos muito tristes.

mas e veio o plebiscito, e a gente organizou na escola. eu e mais alguns amigos organizamos a urna e conseguimos 62 votos. eu não votei porque a votação era só para maiores de 16, pessoas com idade eleitoral. mas organizei a votação.

a experiência da campanha contra a alca me marcou.

primeiro porque eu descobri nesse processo pessoas que resolveram entregar suas vidas para a construção de um país melhor, de uma vida melhor. me encantei com aquilo que pra mim sempre foi o maior exemplo de coerência: não descansar até que todos possam descansar. eram pessoas que estariam dispostas a dar a vida para criar um mundo melhor.

segundo porque eu sentia que eu podia segurar nas minhas próprias mãos os rumos da política em nosso país. os 62 votos que eu consegui com meus amigos também dependeram de mim. ajudei a montar a urna, a convencer as pessoas a irem votar... e foram 10 milhões de votos por todo o país, com os quais eu também contribuí. eu e meus amigos contribuímos para barrar a ALCA.

--

hoje, 12 anos depois, se inicia um grande momento como aquele.

a campanha contra a ALCA trouxe para a militância milhares de pessoas, conquistou milhões de votos e fez história na política brasileira.

a campanha por uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político está extremamente conectada aos anseios populares, em especial aos anseios daquelas e daqueles que cresceram nos anos 2000: mudar a política, para que o povo tenha mais voz e mais participação na democracia.

Façamos nós por nossas mãos
Tudo que a nós nos diz respeito

sábado, 30 de agosto de 2014

o homem branco grisalho heterossexual II (ou "os nossos velhinhos")


(pra mim existe um personagem conhecido como "o homem branco grisalho heterossexual". costumo falar desse personagem porque acredito que ele personifica várias coisas, e porque procuro, com o jogo de palavras da escrita, questionar uma prática que existe de depreciar mulheres, negras, lésbicas, jovens, etc simplesmente por serem quem são. parece que ser qualquer coisa que não esse personagem homem branco grisalho e heterossexual é por princípio ser errada, ser louca, ser descompensada. nunca vi xingamentos que negativassem as características do homem branco grisalho heterossexual, mas é enorme a lista de xingamentos diretamente relacionados ao fato de as pessoas serem mulheres, negros e negras, fugirem do padrão heteronormativo, e a quem não é maduro, sério, etc... gosto de trabalhar com esse personagem porque ele explicita muita coisa. mas procuro tomar cuidado para deixar claro que nem todos os homens brancos grisalhos e heterossexuais são assim, e que a luta não é contra esses caras, mas a luta é simplesmente para que ser homem branco grisalho e heterossexual não importe em nada, não signifique privilégio, não signifique opressão.)

hoje eu quero falar sobre os nossos homens brancos grisalhos heterossexuais. sobre os que não cabem no personagem.

são os nossos antecessores. são os que vieram antes de nós.

se a maior parte deles foi (ou ainda é) homem branco grisalho e heterossexual é porque na época deles os homens brancos eram os que tinham mais possibilidade de ser intelectuais, artistas, militantes, mas também porque os homens brancos heterossexuais têm sua história mais contada pelos livros. porque são mais letrados e tiveram acesso à cultura escrita (que é a que permanece por mais tempo na face da terra) do que as mulheres e os negros. porque são os que mais tiveram condições de seguirem sendo militantes com o passar dos anos (e tiveram que se preocupar menos com os filhos, com as contas, com a vida).

mas os nossos antecessores sabiam e ainda sabem que a luta e a vida não depende só deles. não se acham os maiorais nem superiores à ninguém e trazem a humildade como uma das marcas mais profundas de seu caráter.

os nossos velhinhos (como carinhosamente chamamos) são nossos pais e avós históricos. são os que lutaram a vida inteira para corrigir as injustiças desse mundo. são os que - mesmo fruto de um mundo machista, racista e homofóbico - se questionam cotidianamente e enfrentam os preconceitos encrustados neles mesmos.

eles dividem as tarefas domésticas. eles se preocupam com a luta por creches porque sabem que a responsabilidade pelos filhos e netos é também deles. eles fazem luta por saúde, por moradia, por educação. se indignam perante as injustiças. eles podem até estranhar um pouco as músicas que a gente ouve, as roupas que a gente veste e o nosso jeito de falar, mas eles entendem que não existe isso de música, roupa ou jeito de falar certo. e preferem defender nossa liberdade do que nos estigmatizar com padrões moralistas.

apesar disso eles tem um senso de ética profundo, daqueles que só tem quem está há décadas na luta e não desistiu (e nem foi consumido pela vaidade ou pelo dinheiro). sabem que o companheirismo, o respeito, a igualdade, a solidariedade, o amor, a coerência e a verdade são valores que devem ser cultivados cotidianamente.

eles não nos olham de cima pra baixo, apesar de terem muito mais experiência que a gente. eles sentam num canto, mas se você chega perto eles sempre têm muita disposição para contar as histórias mais bonitas sobre as coisas que eles fizeram. e são histórias tão ricas de aprendizado que eu queria poder fazer só isso da minha vida, ouvir esses velhinhos.

eles sabem que o papel deles mudou, e não querem cagar regras num mundo que eles conhecem muito pouco. se esforçam para entender o facebook e o whatsapp, mas sabem que a gente sabe lidar melhor com isso (e com várias outras coisas da modernidade menos virtuais) do que eles. eles passam a bola pra gente da maneira mais gentil e educada que pode haver, nos ajudando a caminhar com nossas próprias pernas.

nossos velhinhos em sua época de protagonistas foram ousados. fizeram trabalho de base. debateram política com gente analfabeta. lutaram por educação numa época em que ela era mais inacessível do que é hoje. lutaram por um país mais justo na época que o brasil era muito pior do que é hoje. souberam combinar religião, cultura e política. inventaram coisas. pegaram em armas. assaltaram bancos numa época em que ninguém fazia isso. desafiaram autoridades. brigaram com os mais velhos (mais brancos, mais homens, mais heteros e mais ricos que eles).

acontece que a grande diferença entre os nossos velhinhos e o homem branco grisalho heterossexual é que os nossos não se utilizam do fato de serem homens para ser melhores do que as mulheres, não se utilizam do fato de serem brancos para ser melhores do que os negros, não se utilizam do fato de serem velhos para serem melhor do que os jovens e não ficam cagando regra na sexualidade alheia apesar de serem heterossexuais.
os nossos velhinhos sabem que a sociedade é machista, racista, homofóbica, opressora, dividida em classes, que segrega e que excluí. eles sabem que não estão apartados dessa realidade. mas se esforçam para serem humanos.

são os nossos velhinhos, são os nossos antecessores. muitos já vivem na história e outros têm passado da vida para a história por esses tempos. e eu amo e respeito muito muito muito eles.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

privado é político


não sei se foi a poesia, se foi ter nascido mulher, se foram as porradas dessa vida. sei que a duras penas fui aprendendo que o privado é político (e, logo, que cuidar é revolucionário). não é um texto com referência bibliográficas que trago (embora saiba que elas existem, porque já li, já estudei e não nego a importância da teoria) sei que me expresso melhor e com mais clareza quando falo assim: com a poesia, contando histórias, podendo ser eu mesma, artista, para falar de política.

entendo que seja algo esquisito esse meu jeito de me expressar. pode parecer não fazer tanto sentido, ser meio arrogante, meio agressivo, meio prepotente. peço que sejam carinhosos: assim como um pedreiro, ao falar de política, fala do concreto e da construção das casas; assim como um camponês usa as metáforas da colheita; assim como os homens falam do futebol; assim como um intelectual escreve textos políticos seguindo as regras ABNT; eu só sei me expressar assim. por favor se esforcem para entender o que digo, porque eu só sei dizer bem dito falando desse jeito.

o privado é político.
e essa é a verdade que me mantém viva.
porque esse mundo – olhem!
me ensinou que o privado é minha culpa, é minha sina, é meu destino.
de quando eu tentei me matar porque sofria com homofobia, aos onze anos de idade. de quando, com quinze, um homem bateu uma punheta sentado ao meu lado no ônibus, de quando eu me vestia com roupas largas para me sentir mais protegida, de todas as vezes que homens desconhecidos, no meio da rua ou do transporte público acharam que podiam fazer publicamente julgamentos e comentários (por mais “positivos” que fossem) sobre meu corpo, minha aparência, de todas as vezes que me passaram a mão, que me encoxaram, que me trataram como eu fosse coisa ou um pedaço de carne. de todas as vezes que insinuaram minha loucura, minha instabilidade emocional para me desmoralizar.

em todos esses momentos eu aprendi a me sentir culpada. aprendi que era pessoal. que eu estava me vestindo errado, me comportando errado, que eu era inteira errada e exibida demais.

essa culpa o mundo ensinou que é privado. eu aprendi na militância, no feminismo, no coletivo, que não era minha culpa. que eu não precisava ter vergonha, medo, tristeza. que eu não devia aceitar ser um pedaço de carne. que o sistema patriarcal é uma estrutura pesada, violenta, que se apropria do poder dos homens sobre as mulheres para lucrar. que transforma a mulher em coisa. que divide o público – com o que é político, com o que é dinheiro, com o que é importante – do privado – com a comida, com o cuidado, com o que não é tão importante “objetivamente”. que divide o objetivo do subjetivo como se o subjetivo não fizesse parte do objetivo e vice-versa. que divide o corpo da mente como duas coisas diferentes, como se não fizesse tudo parte de um só ser humano.

acontece que o privado é público também. a forma como educamos nossas crianças, nossos jovens. isso é político. e parece que às vezes a gente esquece.

a gente esquece porque é difícil de admitir. mas o nosso jeito de paquerar, de transar, de curtir uma festa, de fumar um cigarro, de beber uma bebida, de brincar, de fazer piada, de arrumar a casa, de dividir as tarefas domésticas, de manter a casa em ordem, de destruir os corações, de dar esporro, de contar fofoca, de fazer picuinha, de fazer piada com as pessoas mais novas, mais mulheres, mais negras, mais pobres, de achar que a capacidade de alguém é apenas a capacidade retórica, de ser paternal com os mais novos, de não deixar os mais novos errarem, de se achar muito importante, de fazer crítica... nosso jeito é político.

é político porque eu não posso aceitar que meu medo de andar sozinha na rua é um problema pessoal. eu não posso aceitar que meu medo de beber na rua é um problema pessoal. eu não posso aceitar que a dupla jornada de trabalho é um problema pessoal. eu não posso aceitar que salários diferentes para trabalhos iguais é um problema pessoal. eu não posso aceitar que dezenas de corações destruídos é um problema pessoal. eu não posso aceitar que o desânimo de tanta gente é um problema pessoal. eu não posso achar que ter vontade de desistir é um problema pessoal. eu não posso aceitar que o sentimento permanente de desvalorização é um problema pessoal. eu não posso aceitar que não conseguir falar em determinados espaços (com mais homens, mais brancos, mais velhos e mais ricos) é um problema pessoal. eu não posso aceitar que pouca habilidade com o pensamento teórico complexo é um problema pessoal. eu não posso aceitar que a vida seja uma coisa tão dura, tão fria, tão formal, tão desumana.

e é político porque hoje, depois de uns anos na estrada, eu aprendi que quando a gente presta atenção nessas coisas, tudo ganha uma potência enorme. que quando as mulheres enfrentam o medo de falar (que não é subjetivo, nem pessoal) o coletivo cresce, porque fica mais forte. e que fica mais fácil fazer isso em um lugar em que os homens, reconhecendo o machismo da sociedade, cuidam do espaço, para torná-lo mais agradável para as mulheres. que quando as mulheres se juntam para enfrentar o medo e fazem o que elas tem vontade de fazer, e se desafiam a ocupar lugares que não foram construídos para elas, elas mandam bem, ficam mais felizes, mais dispostas, com mais energia e mais vontade de fazer. e que fica mais fácil fazer isso quando as mulheres, reconhecendo o machismo da sociedade, cuidam umas das outras, se unem e se fortalecem. que quando os mais novos se desafiam a cumprir tarefas de direção, tarefas para as quais a gente nunca se sente pronto, os mais velhos são obrigados a compartilhar mais as tarefas e a vida fica melhor mais compartilhada. e que fica mais fácil fazer isso quando os mais velhos, reconhecendo todo o fetiche, o personalismo, a autoridade – que às vezes se confunde com autoritarismo – que existem no mundo, cuidam dos mais novos, estimulam, criam as tarefas compatíveis, acompanham, conhecem as vidas dos mais novos, ajudam nos problemas de casa, da escola, do trabalho, da família, e colocam desafios realizáveis, propiciando que os mais novos cresçam e sejam melhores do que os mais velhos (não é o grande sonho do educador que o seu educando crie um mundo – e aprenda a viver – melhor do que o presente?).

cuidar é ser companheiro. é compartilhar a vida. e a vida é mais do que as reflexões teóricas complexas. a vida é o que a gente vive, é o que a gente sente, é o pessoal e o político ao mesmo tempo. o cuidado é o respeito à humanidade do outro, é entender toda ação no mundo como ação pedagógica. é saber respeitar os limites, é saber entender que o jeito de se expressar do outro não é igual ao nosso e que precisamos construir formas de nos comunicar. é a gente dar apoio quando a vida fica pesada, é a gente emprestar dinheiro ou pedir dinheiro emprestado quando precisa. é a gente emprestar a casa. é a gente estar permanentemente atento para todas as desigualdades criadas por esse mundo e nos esforçar para criar espaços em que essas desigualdades sejam menos importantes.

como criar espaços em que os mais novos não sintam medo – apenas respeito – pelos mais velhos? como criar espaços em que as mulheres não sintam vergonha de dizer o que pensam? como criar espaços em que as negras e os negros não se sintam menos capazes? como criar espaços em que os mais pobres não se sintam burros?

as mulheres aprenderam a cozinhar e não a falar em público, e se não dermos o valor para a comida que a comida tem (alguém sabe viver sem?) vamos achar que as mulheres são menos capazes do que os homens porque não aprenderam desde crianças a falar bem em público.

as negras e os negros aprenderam a trabalhar de sol a sol sem descansar e não a formular ou a escrever, e se não reconhecermos que ser neto de um escravo analfabeto faz uma triste diferença, e se não entendermos o valor que tem saber trabalhar de sol a sol sem descansar, vamos achar os negros menos capazes do que os brancos porque não aprenderam desde sempre a formular.

os mais jovens aprenderam a debater política no facebook e no whatsapp e tiveram menos tempo (nessa vida acelerada) para ler livros da teoria clássica, e se não reconhecermos o valor que tem se expressar em poucos caracteres, digitar com habilidade no celular e no computador, vamos achar os jovens menos capazes do que os velhos porque usam gírias e hashtags.

e eu quis dizer tudo isso porque eu quero dizer que se a gente quer construir uma sociedade mais justa e mais humana, se a gente se pretende revolucionário, a gente tem que entender que o privado é político, e que isso não é só uma frase de efeito. isso tem consequência prática. e talvez uma das primeiras consequências práticas é que a gente tem que cuidar das pessoas. (não que isso seja fácil, mas é um esforço permanente. foi assim que me ensinaram).


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

epidemia

eu sei que não está fácil,
mas precisamos que você se anime.
eu sei que é difícil persistir,
mas precisamos que você se anime.
eu sei que essa cidade, essa dinâmica, essa correria
fazem doer e adoecer,
engolem nossa vida porque roubam nosso tempo de viver,
mas precisamos que você se anime.

e eu sei que a solidão vai surgir
e eu sei que você ainda tem muito com que se decepcionar
e eu sei que da vontade de desistir
e eu sei que cansa e não há tempo de descansar

mas precisamos que você se anime

porque sem você a gente fica mais fraco
e sem seu ânimo fica difícil ter coragem
e eu sei que se estamos lado a lado
enfrentamos toda essa engrenagem

eu sei que você tem motivos de sobra e que já se decepcionou
que sofreu injustiças praticadas pelos que diziam te amar

mas precisamos que você se anime

porque para acabar com a epidemia
é necessário admitir e enfrentar a epidemia
superar a solidão, o consumismo, a violencia, o individualismo
superar a epidemia

e construir um mundo muito mais gostoso.