segunda-feira, 28 de julho de 2014

carta a uma companheira II

Mulher,

Queria começar te agradecendo. Ser sua companheira - e companheira de tantas outras - faz minha vida ter muito mais sentido. Saber ainda que eu, com uma cartinha assim meio boba, meio mal escrita, cheia de lugares comuns, consegui traduzir um pouco em palavras coisas que você sente, consegui te ajudar, me fez muito bem.

Mas confesso que é um sentimento confuso. Ao mesmo tempo que me sinto bem por conseguir colocar em palavras as coisas que você sente, eu me espanto. Me espanto por descobrir - assim, sem querer mesmo - como são parecidas as coisas que a gente sente. E quantas mulheres sentem exatamente as mesmas coisas que nós. Me assusta o quanto o mundo pode ser terrível, violento, opressor. Me assusta o quanto quase todos os homens são verdadeiros babacas.

O que mais me assusta de tudo isso é perceber o quanto somos parecidas, e como eu nunca tinha percebido isso. Eu aprendi que eu era especial. E que ser uma menina - e depois uma mulher - especial significava ser melhor do que as outras. Aprendi que ser bonita significava ser mais bonita que as outras. Que ser inteligente era ser mais inteligente que as outras. Que ser sexy era ser mais sexy que as outras. Que eu não podia parecer com as meninas da minha idade. Que era melhor parecer mais mulher, mais velha. Durante dez anos (meu primeiro namoro começou com 13 anos de idade) eu sempre namorei caras mais velhos do que eu e mais de uma vez eu escutei que eu era especial porque eu não parecia uma menina da minha idade. E quantas as vezes na cama um cara, para me elogiar, disse que "nunca" uma mulher tinha feito aquilo tão bem...


Tenho uma sensação permanente que o mundo foi construído de um jeito que eu não consegui ser sua amiga. Sempre tive muitos amigos homens, em especial os mais velhos. Achava eles mais maduros, mais inteligentes, menos irritantes, menos fracos, menos frágeis, menos melosos e menos frescos do que qualquer mulher.

Como é que pode esse jeito de viver que a gente acha que tem que ser "melhor do que qualquer mulher"? Eu sempre pensei isso sem perceber o tamanho da perversidade. Eu sou qualquer mulher. Eu sou mulher, sou mulheres. Não sou pior ou melhor que nenhuma outra (pelo menos não por ser "mais mulher" ou "menos mulher" que ninguém). Quando, para nos relacionarmos com os homens nos afastamos, nos colocamos distantes, superiores, melhores que as outras mulheres, é um jeito também de negar nós mesmas.

Me neguei como mulher durante muito tempo, em diversos momentos da vida. Mas pior - ou tão cruel quanto - foi que neguei para você, mulher, a possibilidade de você ser tão boa quanto um homem. Tão forte, tão madura, tão inteligente, tão corajosa, tão especial quanto um homem. E também (acho que isso é o que me dói mais do que tudo) eu neguei a possibilidade de nós sermos iguais. Neguei a possibilidade de termos experiências parecidas, de termos dificuldades parecidas, de termos crises parecidas, de sofrermos de dor parecidas.

E é um absurdo! São tão parecidas as coisas entre nós. Você entende como nenhum homem pode entender o que é não ter coragem de falar, o que é não ter coragem de pensar. Você entende o que é a violência das cantadas, das passadas de mão, dos comentários, dos olhares, das propagandas de cerveja, das baladas universitárias. Você entende o que é se prender num relacionamento por medo de ficar sozinha. Você entende tanta coisa que poderia passar semanas fazendo listas.

E é muito solitário viver como se eu fosse a única mulher no mundo que sente as coisas que eu sinto. Mas ao mesmo tempo é difícil pra mim admitir que somos iguais. É uma coisa absurda, mas parece que minha auto-estima, minha confiança em mim mesma, só existe na medida em que eu inferiorizo as outras mulheres. Só tenho segurança se penso que sou uma mulher excepcional.

Mas acontece que eu cansei. Cansei de me sentir sozinha. Cansei de ser excepcional. Eu quero estar junto de você. Eu quero que minha força e minha coragem e minha auto estima surjam da força que eu sinto quando estou do teu lado, mulher.

Para isso eu preciso da sua ajuda. Eu tenho certeza que sozinha não vou muito longe. Posso até escrever uns textos bonitos, mas a prática (que é o critério da verdade) é muito difícil de construir. Preciso que você se esforce pra perceber que quero ser sua amiga. Que por trás dessa pessoa desajeitada e meio mal humorada que eu sou, existe também uma mulher bem parecida com você. Preciso que você me chame a atenção toda vez que sentir que eu te tratei mal, eu te inferiorizei ou qualquer coisa do tipo. Você sabe como esse mundo é perverso e ensina a gente a agir no piloto automático. Mas se você se incomodar comigo, me avise. Me avise mesmo que seja difícil, porque assim a gente aprende juntas. Me chame para sair. Vamos ver um filme, fazer uma comida, falar besteira e ser feliz. Me deixe cuidar de você, me conte seus problemas, peça ajuda. Fale as coisas que você pensa, as coisas que você quer. Me ajude.

Não posso prometer que vou acertar desde o começo. Não posso prometer que não vou errar. Mas posso prometer que vou te escutar. E posso prometer que se algum dia eu não te escutar, você pode me chacoalhar que não vou me incomodar, vou até agradecer. Mas acho que você não vai precisar me chacoalhar, porque cada vez que eu escrevo é meu jeito de dizer que precisamos escutar mais as mulheres. E eu também preciso.

Mulher, eu quero ser sua amiga. Eu preciso ser sua amiga. Eu preciso de você para ser melhor. Eu preciso de você para ser mulher.

Te amo, companheira.

Um comentário:

  1. que coisa linda.
    não tenho palavras pra escrever após esse texto, só senti. <3

    Gabi

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