segunda-feira, 23 de junho de 2014

o professor

Eu tinha 16. Estava no primeiro colegial. Era uma das melhores alunas da sala, adorava estudar. Adorava as aulas que ele dava, sempre tão bonitas, bem preparadas, críticas, questionadoras. Era a primeira vez que ele dava aula para adolescentes, mas ele já tinha uns trinta.

Eu era bonita, e sabia encantar. Minha sexualidade recém-descoberta chamava atenção, minha inteligência, meu charme. Nunca tratei professores como seres de outro mundo. Pra mim, sempre foram pessoas interessantes que poderiam ser minhas amigas.

Mas eu me apaixonei. Era muito nova e não entendia. Achei que me apaixonava pelo homem, mas me apaixonava, na real, por aquilo que ele representava pra mim. O professor e todo o poder e inteligência que ele tinha.

E com todo meu charme em ação eu também encantei o professor. E ele se permitiu. Ele não entendia, eu não entendia. E fizemos tudo errado.

No começo a gente saía, trocava emails longos, bonitos, sobre a vida, sobre arte, sobre ciência, sobre literatura, sobre paixões... Um café, um almoço. Até que um dia foi uma volta no carro dele... nos beijamos. E naquele momento do beijo eu senti que tinha alguma coisa esquisita. O homem que eu beijava não era o professor, era uma outra pessoa. E ele saiu falando, que aquilo tinha que acontecer em segredo, que ninguém poderia saber, nunca, que se alguém soubesse de qualquer coisa a vida, a carreira, o casamento dele estariam arruinados.

E eu acabava de descobrir que tinha me enganado porque estava apaixonada pelo que ele representava como meu professor, pelo poder que ele tinha, por tudo que ele representava, e não pela pessoa que ele era. De repente me vi carregando todo o peso da responsabilidade sobre a vida dele, sobre o casamento dele, sobre a carreira dele, debaixo do meu silêncio. Ele não se responsabilizava pelo que fazia, jogava a culpa que sentia em cima de mim e eu tinha que viver com aquilo.

Foi em silêncio que eu aguentei os meses seguintes, até o final do ano. Mas era um silêncio insuportável. Fiquei triste, parei de ir tão bem nas aulas. Não conseguia prestar atenção em mais nada, muito menos nas aulas dele. Não conseguia conversar direito com minhas amigas, afinal, eu não podia contar nada nem pra elas. Minha vida não existiu durante seis meses, que eu aguentei firme porque sabia que no ano seguinte, ele não daria mais aula para mim.

Já era a última semana de aula quando uma moça da escola entrou na sala e como quem dá a melhor notícia do mundo nos conta que o professor seguiria com a nossa turma no ano seguinte. Eu nem percebi, mas comecei a chorar compulsivamente. Eu não conseguia mais ser forte frente ao peso de tanta responsabilidade. Eu não conseguia mais sentir tanta dor em silêncio.

Ela percebeu. Me chamou num canto e perguntou o que estava acontecendo. Eu contei, meio confusamente, e chorei mais ainda. Ela não queria saber da dor que eu sentia, não queria saber da preocupação e da responsabilidade que eu tinha sobre a carreira, a vida e o casamento do professor, ela não queria saber da minha decepção por me apaixonar por um personagem e não por uma pessoa. Ela só queria saber se a gente tinha feito sexo ou não. A insensibilidade dela também me machucou. O que me machucava era o silêncio, muito mais do que qualquer coisa.

Mas a questão que eu gostaria de tratar é: eu era uma criança, uma adolescente. Eu ia me apaixonar pelo meu professor do mesmo jeito que fiz muitas vezes antes. Eu ia me encantar, e ia tentar seduzir de alguma forma. Isso acontece. Mas ele era o professor. Ele era o responsável, o adulto. Ele não podia ter deixado acontecer. Ele não poderia correr o risco de criar uma situação que me deixasse tão vulnerável. Ele não podia colocar toda a culpa que ele sentia sobre meus ombros e me exigir silêncio.

Eu acho que nunca vou entender as relações que não podem ser públicas. Homens que escondem as mulheres, que separam tanto a vida de fora de casa e a vida entre quatro paredes que parecem ter vergonha, em público, do que fazem no privado. Mas eu sei que simplesmente pregar "professores não podem ficar com alunas" (coisa que ouvi durante minhas aulas de licenciatura), de maneira careta, como se fosse uma questão moral, não resolve o problema. Acho que o que resolve o problema é mostrar quanta dor pode ser criada, quanta injustiça construída e quanta irresponsabilidade é jogar esse tipo de responsabilidade nos ombros de uma menina.

E eu era só uma menina.

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