Eu sou a geração de 88.
Eu sou filha de um
homem de 1959.
Com 16 ele fugiu da
cidade careta do interior. Saiu de Sorocaba, interior reacionário de
São Paulo, e veio pra cá, morar com a vó e estudar. No interior
foi chamado de “comunista” por aqueles católicos reacionários e
caretas, apoiadores da ditadura, só porque questionava a religião
cristã e todo seu peso. Deu sorte (ou foi de propósito?) e foi
estudar no Colégio Equipe, um colégio formado por professores que
em 68 foram proibidos, pela ditadura, de dar aula em escolas
públicas. Professores comunistas.
Participou de
manifestações, viveu a cultura, a arte, as festas do fim dos anos
setenta. Curtiu Gil e transcendências. Teve aula com Florestan
Fernandes. Escolheu, entre jogar de goleiro no corinthians e estudar
ciências sociais, ir pra USP estudar. Fez Sociais mas sempre
trabalhou, era em jornais. Fez movimento estudantil, mas preferiu a
carreira do jornalismo à carreira da política (aquela tão cheia de
vícios, autoritarismos, personalismo e disputismo). Foi diretor do
jornal Em Tempo. Depois foi cursar jornalismo e contribuiu na
construção do PT. Na época de abertura da ditadura, todos que
trabalhavam como jornalistas como ele conseguiram o registro de
jornalista para poder trabalhar, mesmo sem ter feito a faculdade. Foi
ser jornalista e largou o curso de jornalismo (careta demais para ele
na época).
Ele encontrou minha
mãe (ou minha mãe encontrou ele?) numas das transas loucas dos anos
setenta. Fui concebida no início de 88, antes das eleições de 88 e
89. Fui concebida, Lira, no carnaval de 1988 por duas pessoas que se
amavam muito. Num prédio chamado Panambi, na Vila Madalena (e a Vila
não era nada do que é hoje). Nasci junto com a vitória da Erundina
para prefeita.
Eu sou a geração
de 88.
Eu sou filha de uma
mulher de 1959.
Quinta ou quarta (ou
seria sexta?) filha de uma família com nove filhos. São 5 mulheres,
e ela é a do meio. Meu vô era um industrial paulista que levou uma
rasteira de um irmão que roubou toda a grana e fugiu para os Estados
Unidos (porcos capitalistas). Minha vó eterna dona de casa sabia que
devia produzir filhas mais livres que ela. As filhas não conseguiram
estudar muito, mas fizeram feitos incríveis.
Minha mãe sonhava
em ser arquiteta, era projetista de arquitetura na época em que se
desenhava tudo à mão e não tinha computador. Era arte. Levou um
golpe muito duro (acho que talvez por uma relação machista, em que
o cara se aproveitou da situação para fazer a faculdade dele e
minha mãe se fudeu). Viajou para a Grécia no primeiro casamento. E
pode ter curtido todas as drogas do mundo, ter feito as festas mais
loucas. Viveu sua sexualidade e sabe que isso é importante, sem ser
nada careta. Um pouco antes de eu nascer passou em um concurso
público e virou funcionária da USP. Acompanhava o que acontecia na
política porque sabia que aquele era um momento importante de
enfrentar “essa gente careta e covarde”. Votou no PT. E foi
trabalhar como funcionária num teatro, o que me fez crescer dentro
desse mundo lindo e mágico.
Ela encontrou meu
pai (ou meu pai que encontrou ela?) numas transas loucas nos anos
setenta.Fui concebida no início de 88, antes das eleições de 88 e
89. Fui concebida, Lira, no carnaval de 1988 por duas pessoas que se
amavam muito. Num prédio chamado Panambi, na Vila Madalena (e a Vila
não era nada do que é hoje). Nos anos 70 minha mãe era funcionária
de um tal Miroel Silveira.
Eu sou a geração
de 88.
Filha do PT, filha
da USP, filha de um corinthiano daora que fugiu do interior
conservador. Que foi detido (mas nunca preso), ouve Racionais e
Sérgio Sampaio, militou na AP-ML e construiu o PT desde o início.
Um cara que fez coisas importantes na política de nosso país mais
nunca quis o sucesso e a fama de um candidato e sempre prefiriu a
retaguarda. Filha de uma mulher que foi atrás do que quis apesar dos
caras babacas. De uma mulher que nunca teve medo de ser quem era, de
usar as roupas que quisesse, que fosse mais confortável e feliz. De
uma mulher que abriu mão de muita coisa da própria vida para amar e
cuidar da filha. De uma mãe que deu os melhores ensinamentos sobre
sexualidade e foi exemplo e ponto de apoio quando eu enfrentei as
maiores barras da vida. De uma mãe que cozinhou as melhores comidas.
Me fez dona da melhor lancheira da escola. Meus pais me ensinaram a
solidariedade. Me ensinaram sobre arte. Me ajudaram a ser poeta, a
sonhar. Me chamaram Lira. Me fizeram Lira.
ir
vir
vira
lira
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