quinta-feira, 11 de setembro de 2014

sou da geração de 1988


Eu sou a geração de 88.

Eu sou filha de um homem de 1959.

Com 16 ele fugiu da cidade careta do interior. Saiu de Sorocaba, interior reacionário de São Paulo, e veio pra cá, morar com a vó e estudar. No interior foi chamado de “comunista” por aqueles católicos reacionários e caretas, apoiadores da ditadura, só porque questionava a religião cristã e todo seu peso. Deu sorte (ou foi de propósito?) e foi estudar no Colégio Equipe, um colégio formado por professores que em 68 foram proibidos, pela ditadura, de dar aula em escolas públicas. Professores comunistas.
Participou de manifestações, viveu a cultura, a arte, as festas do fim dos anos setenta. Curtiu Gil e transcendências. Teve aula com Florestan Fernandes. Escolheu, entre jogar de goleiro no corinthians e estudar ciências sociais, ir pra USP estudar. Fez Sociais mas sempre trabalhou, era em jornais. Fez movimento estudantil, mas preferiu a carreira do jornalismo à carreira da política (aquela tão cheia de vícios, autoritarismos, personalismo e disputismo). Foi diretor do jornal Em Tempo. Depois foi cursar jornalismo e contribuiu na construção do PT. Na época de abertura da ditadura, todos que trabalhavam como jornalistas como ele conseguiram o registro de jornalista para poder trabalhar, mesmo sem ter feito a faculdade. Foi ser jornalista e largou o curso de jornalismo (careta demais para ele na época).
Ele encontrou minha mãe (ou minha mãe encontrou ele?) numas das transas loucas dos anos setenta. Fui concebida no início de 88, antes das eleições de 88 e 89. Fui concebida, Lira, no carnaval de 1988 por duas pessoas que se amavam muito. Num prédio chamado Panambi, na Vila Madalena (e a Vila não era nada do que é hoje). Nasci junto com a vitória da Erundina para prefeita.

Eu sou a geração de 88.

Eu sou filha de uma mulher de 1959.

Quinta ou quarta (ou seria sexta?) filha de uma família com nove filhos. São 5 mulheres, e ela é a do meio. Meu vô era um industrial paulista que levou uma rasteira de um irmão que roubou toda a grana e fugiu para os Estados Unidos (porcos capitalistas). Minha vó eterna dona de casa sabia que devia produzir filhas mais livres que ela. As filhas não conseguiram estudar muito, mas fizeram feitos incríveis.
Minha mãe sonhava em ser arquiteta, era projetista de arquitetura na época em que se desenhava tudo à mão e não tinha computador. Era arte. Levou um golpe muito duro (acho que talvez por uma relação machista, em que o cara se aproveitou da situação para fazer a faculdade dele e minha mãe se fudeu). Viajou para a Grécia no primeiro casamento. E pode ter curtido todas as drogas do mundo, ter feito as festas mais loucas. Viveu sua sexualidade e sabe que isso é importante, sem ser nada careta. Um pouco antes de eu nascer passou em um concurso público e virou funcionária da USP. Acompanhava o que acontecia na política porque sabia que aquele era um momento importante de enfrentar “essa gente careta e covarde”. Votou no PT. E foi trabalhar como funcionária num teatro, o que me fez crescer dentro desse mundo lindo e mágico.
Ela encontrou meu pai (ou meu pai que encontrou ela?) numas transas loucas nos anos setenta.Fui concebida no início de 88, antes das eleições de 88 e 89. Fui concebida, Lira, no carnaval de 1988 por duas pessoas que se amavam muito. Num prédio chamado Panambi, na Vila Madalena (e a Vila não era nada do que é hoje). Nos anos 70 minha mãe era funcionária de um tal Miroel Silveira.

Eu sou a geração de 88.

Filha do PT, filha da USP, filha de um corinthiano daora que fugiu do interior conservador. Que foi detido (mas nunca preso), ouve Racionais e Sérgio Sampaio, militou na AP-ML e construiu o PT desde o início. Um cara que fez coisas importantes na política de nosso país mais nunca quis o sucesso e a fama de um candidato e sempre prefiriu a retaguarda. Filha de uma mulher que foi atrás do que quis apesar dos caras babacas. De uma mulher que nunca teve medo de ser quem era, de usar as roupas que quisesse, que fosse mais confortável e feliz. De uma mulher que abriu mão de muita coisa da própria vida para amar e cuidar da filha. De uma mãe que deu os melhores ensinamentos sobre sexualidade e foi exemplo e ponto de apoio quando eu enfrentei as maiores barras da vida. De uma mãe que cozinhou as melhores comidas. Me fez dona da melhor lancheira da escola. Meus pais me ensinaram a solidariedade. Me ensinaram sobre arte. Me ajudaram a ser poeta, a sonhar. Me chamaram Lira. Me fizeram Lira.


             ir
vir
   vira
       lira

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